Ginger, de Marina Ruy Barbosa: moletons 100% algodão orgânico e filantropia empresarial
Em meio à pandemia, nova marca de moda tenta se posicionar no rol das ecobrands e doa todo seu lucro para instituição social
Sobre
“O sonho era vivo, pulsante – um amor nutrido desde a infância.
E de uma pausa começou uma jornada de autodescobrimento.
O refletir levou ao redescobrir. Um doce encontro.
Uma visão compartilhada para o futuro floresceu.
Marina Ruy Barbosa e Vanessa Ribeiro desbravam novos caminhos a procura de uma forma de expressão. Um canvas em branco, repleto de possibilidades, é gradualmente tomado pelo calor do laranja.”
“GINGER nasce de uma delicada dança entre a moda autoral, a paixão pela estética e o respeito pela natureza. Arte e design colorem o quadro de inspirações. O resultado é uma nova marca que abraça o presente enquanto volta o olhar para o futuro, livre das amarras das estações e preocupada com o seu impacto. Contra o efêmero e o superficial, preza pelo inteligente e o editado. É uma mulher múltipla, em eterno processo de aprendizado. Pronta para encontrar sua voz, ela ressignifica e busca significado.”
São essas as palavras da marca. A seguir, teço as minhas considerações.
Estilo comfy fashion
A única possibilidade de estilo para o momento de quarentena é o confortável, com toques de informação de moda. Esse direcionamento do estilo aparece na escolha do moletom como produto central, “carro-chefe”. Ele é feito 100% de algodão orgânico, o que amplifica a sensação de conforto (basta comparar o toque com um moletom barato que tenha poliéster no meio…). Com relação às formas, predomina o cós alto, a regulagem da forma por amarração, e destaque para os ombros não ficarem desabados (como acontece com os hoodies, moletons tradicionais).
Shop Ginger
Crítica sobre a sustentabilidade
Dentre as cores neutras, destaca-se um ponto de laranja, em alusão ao nome da marca (em inglês, ginger significa gengibre e também ruivo). Não há informação de que o tingimento seja ecológico – e provavelmente não é, pois é difícil alcançar o tom de laranja comercializado, com urucum e açafrão.
Então, dizer que a marca é sustentável é um exagero, pois também não sabemos qual o impacto socioambiental dos processos produtivos (a exemplo do tingimento, fora a manufatura, quem produz), como é o envio dos produtos (sabe-se que usa um papel certificado), dentre outros critérios.
A única coisa que se pode afirmar é que ela cria uma imagem de sustentável por três caminhos principalmente:
- baseando-se no fornecedor dos tecidos e componentes (sabe-se também que a tag/etiqueta das peças é feita de papel semente);
- sintonizando-se na linguagem visual de campanhas passadas de outras marcas do ecobrand, como Stella McCartney e Osklen;
- apoiando uma instituição em prol da sociedade.
Outras estratégias de posicionamento
Marina Ruy Barbosa é a “princesa da mídia” do Brasil, atriz de sucesso e de “reputação à prova de fofocas”. Já sua sócia, Vanessa Siqueira Ribeiro tem passagens no marketing e estilo de outras marcas, como Tigresse. Associar uma marca forte, unanimidade nacional, que é o nome Marina Ruy Barbosa, com outra marca apenas conhecida no high society do eixo RJ-SP, não faz muito sentido.
Talvez elas sejam muito amigas. Talvez a Marina queira ajudar a imagem pessoal-comercial da Vanessa. Talvez esse valor comercial da imagem pessoal-profissional das sócias não seja uma questão para a marca Ginger.
Bem, seja como for, lançar uma marca em meio à pandemia poderia ser ofensivo para o público, pois vem de uma atriz que não precisa disso como negócio, como sustento. E, neste momento em que as empresas de moda atravessam crise financeira, qual o motivo então de lançar uma marca, além de um inerente desejo pessoal?
A única resposta, para tornar a iniciativa relevante, nobre e à prova de críticas, é a da compra de moda ser um vetor para o público fazer caridade. Neste caso, 100% do valor é revertido para a organização social Gerando Falcões, para auxiliar jovens em situação de vulnerabilidade social.
Como os valores são altos para moletons (na faixa de 300 a 500 reais), sendo o preço alto uma forma de conferir prestígio para a marca, bem-aventurados são os jovens que vão receber os frutos de filantropia dessa iniciativa fashion para redução de desigualdade social. Afinal, a maioria do povo brasileiro não compraria um moletom de 500 reais, ainda mais em 2020.
O produto é para a minoria. Marina é popular na TV e na internet, não na moda.
Além disso, fazer um lote pequeno e de peças editadas, é uma forma não só de testar o mercado, mas também de criar o desejo pela escassez, e/ou de criar uma imagem de sucesso de lançamento pelas poucas unidades terem sido quase todas vendidas em menos de 24h.
Em resumo, a Ginger se aproxima mais de um projeto pessoal de filantropia empresarial, com uso de, ao que se sabe até então, duas matérias-primas ecológicas, algodão orgânico e papel-semente, que de uma marca de moda sustentável – isso é outra coisa.
Ainda há um longo caminho para que possa então se apropriar do discurso de moda sustentável.
A propósito
Tem mais de 10 anos que o papel semente apareceu como alternativa de material para as tags das roupas. Eu lembro que, em 2009, cheguei a plantar uma tag da Hering, e ela não vingou. É muito comum o papel-semente não funcionar na prática.
Também é muito comum as novas marcas de moda, que querem se posicionar no rol das ecobrands, escolherem a estratégia do Green Design, lá dos anos 1970, de usar alguns materiais ecológicos, e de apoiar pontualmente uma causa social, a chamada filantropia empresarial.
Sugiro ler alguns dos seguintes trabalhos acadêmicos sobre estratégias de sustentabilidade para a moda:
- DUARTE, Luciana dos Santos. Contexto histórico da moda ética e estratégias da ética da sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda. Anais do 1º SIMPEX Simpósio de Pesquisa e Extensão em Design. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2011.
- DUARTE, Luciana dos Santos. O desenvolvimento de produtos de moda ética: uma análise das diretrizes de sustentabilidade aplicadas no setor de moda no Brasil. Trabalho de conclusão de curso em Design de Produto. Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
Outros trabalhos podem ser lidos em Publications.
Leia press releases sobre a Ginger, que ecoam vozes sem reflexão em:
- Pequenas Empresas Grandes Negócios – Marina Ruy Barbosa lança marca de moda sustentável
- Exame – Marina Ruy Barbosa lança marca de moda – e coleção esgota em um dia
- Terra – Marina Ruy Barbosa lança marca e vende tudo em um dia
- Vix – Nova marca de Marina Ruy Barbosa vende roupas com etiquetas que viram plantas
- Claudia – Marina Ruy Barbosa lança marca de roupas e peças esgotam em 12 horas
- Steal the Look – Conheça a Ginger, a nova marca de Marina Ruy Barbosa
- Capricho – Marina Ruy Barbosa lança Ginger, sua marca de roupas sustentáveis
- WePick – Marina Ruy Barbosa empresária: conheça a nova marca da atriz
- PurePeople – Marina Ruy Barbosa apresenta marca e analisa carreira de atriz: ‘Não vai mudar’
- PurePeople – Marina Ruy Barbosa revela desafio de marca própria e peças esgotadas: ‘Surpresa’