Entrevista: A indústria do couro faz a reciclagem do gado
Enviamos quatro perguntas diversas para o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil e Brazilian Leather e uma das respostas foi surpreendente.
Para ambientalistas e cientistas preocupados com o aquecimento global, a perspectiva da indústria de curtume – que advoga para si o atributo de sustentável (!) – é de cair o queixo.
Trata-se de uma perspectiva política, em que se vê a indústria do couro como beneficiando um problema estrutural.
Entretanto, sabemos que o consumo de carne bovina e o consumo de artefatos de couro, produtos e subprodutos do gado, são a principal causa (a demanda!) do aquecimento global. Isso se deve porque – parece óbvio dizer – a carne e o couro vem do gado, e boa parte do gado está na Amazônia, desmatando o equivalente a campos de futebol por minuto (!!). Não só a criação de pasto no lugar das florestas é um problema, mas também o gado em si, que emite metano para o ar (o metano vem do ‘pum’ das vacas e bois).
Assim, a indústria do curtume, ao se posicionar como um intermediário, um ajudante (!!!), na cadeia global de valor de carne, se isenta de qualquer peso na consciência pelo impacto da demanda de carne e de artefatos de couro. Também não reconhecem a existência de produtos alternativos ao couro (como o um laminado de borracha que se assemelha ao couro).
A indústria do couro, os curtumes, precisam debater melhor seu posicionamento no problema estrutural do aquecimento global. Fazer couro com taninos vegetais, redução de cromo, não é suficiente.
(1) Como analisam o mercado de couros exóticos na América? Tem aumentado ou reduzido o uso de peles de crocodilo, avestruz, raia, tilápia e pirarucu, coelho, etc.? Tem alguma particularidade sobre o mercado de um desses couros exóticos?
Trata-se de um mercado pequeno em relação ao couro bovino. Em função de toda a situação da economia mundial ligada ao novo coronavírus, qualquer avaliação sobre perspectivas de um segmento não pode ser feita neste momento.
(2) Em um momento em que as pessoas estão repensando seus hábitos, e o quanto impactam nas condições climáticas do mundo, como defender o uso do couro bovino em produtos, e não as alternativas de laminados sintéticos que se asselham ao couro?
O couro é um subproduto da indústria da alimentação (carne e leite). Trata-se de uma indústria de reciclagem por sua natureza, um exemplo muito claro de economia circular e sustentabilidade. Se as peles oriundas da alimentação não tivessem o destino adequado por meio do trabalho dos curtumes, haveria um passivo ambiental de grandes proporções. Laminados sintéticos são oriundos da indústria do petróleo (matéria-prima finita) e não são equivalentes ao couro em propriedades térmicas, de resistência, elasticidade etc.
(3) Qual a relação do couro com o desmatamento da Amazônia?
Não há relação do couro com a Amazônia.
(4) Na década de 1990, foi desenvolvido na Amazônia o “couro vegetal”, um laminado de algodão com borracha, muito parecido com o couro bovino. Ele foi usado durante anos em bolsas da Hermès, por exemplo, e exportado também para os Estados Unidos. Eles chegaram a conhecer esse material? Como interpretam sua ascensão e queda no mercado?
No Brasil, existe uma lei que proíbe o uso de expressões como “couro sintético” ou “couro ecológico”, ou “couro vegetal”. Trata-se da Lei 4.888, vigente desde 1965, que destaca que somente produtos oriundos de pele animal podem receber a denominação “couro”. Materiais sintéticos ou de outras origens que não animal não devem receber sufixo ou prefixo com a palavra “couro”. Desconhecemos o produto mencionado na questão.