O designer na gestão estratégica de empresas de joias
Artigo publicado mostra a interface de atuação e mediação do designer de joias na gestão estratégica do projeto
Em 2016, apresentamos e publicamos um artigo na área de projeto de joias e gestão estratégica, no IV Encontro do Centro-Oeste Brasileiro de Engenharia de Produção. Ele está disponível para download no seguinte link, já com a citação de acordo com a ABNT:
GALVÃO, Caroline; DUARTE, Luciana dos Santos. O papel do designer na gestão estratégica do projeto em empresas de joias de Minas Gerais. Anais do IV Encontro do Centro-Oeste Brasileiro de Engenharia de Produção. Universidade Federal de Goiás, Aparecida de Goiânia, 2016, pp. 153 – 158.
Segue aqui a versão completa do artigo:
O papel do designer na gestão estratégica do projeto em empresas de joias de Minas Gerais
Caroline Galvão (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS) – carolrgalvao@gmail.com
Luciana dos Santos Duarte (FACULDADES KENNEDY) – santosduarte.luciana@gmail.com
Resumo: O Brasil destaca-se no setor de gemas e joias, sendo um dos maiores produtores de ouro e de gemas preciosas do mundo. A indústria joalheira nacional consiste em micro e pequenas empresas, para as quais o desenvolvimento de novos produtos é central para manterem-se competitivas. O contexto de competitividade mundial tem evidenciado cada vez mais a necessidade do emprego do design, entendido não apenas como adição externa da estética, mas como desenvolvimento de projetos em toda a sua complexidade. Neste trabalho, busca-se estudar a interface de atuação e mediação do designer de joias na gestão estratégica do projeto. São objetivos específicos delinear através das novas abordagens da abrangência da atividade do Design, como o profissional pode atuar de forma a contribuir para os objetivos estratégicos das empresas, sob a luz da gestão do design e dos processos de produção que envolvem sua atuação, além de entender os benefícios da prática para o desenvolvimento de projetos adequados, agregação de valor, visibilidade da empresa no mercado por meio de seus produtos e serviços, e geração de inovação. A metodologia consiste em uma revisão de literatura sobre o tema. Para tanto, foram estudados autores nas áreas de Design de Produto, com ênfase no Design de Joias, e na Engenharia de Produção, com foco no escopo do Processo de Desenvolvimento de Produto.
Palavras-chave: Gestão do design; Gestão de projeto de joias; Design de joias.
Área/Subárea: Engenharia do Produto / Gestão do Desenvolvimento de Produto
1. Introdução
O Brasil é conhecido pela produção de grande diversidade de pedras preciosas, sendo um dos principais produtores de esmeraldas e o único produtor de topázio imperial e de turmalina Paraíba. Estima-se que o país seja responsável pela produção de cerca de um terço do volume das gemas do mundo. Além disso, o Brasil é considerado um importante produtor de ouro. Em 2004, o país alcançou 42 toneladas, o que lhe assegurou o 13º lugar no ranking mundial (HENRIQUES & SOARES, 2005).
Segundo especialistas do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), o Brasil tem tanto a capacidade como a competitividade para lapidar pedras de média e boa qualidade. Além disso, o potencial para exportação da indústria joalheira de produtos industrializados (gemas lapidadas, joias e folheados) do Brasil é crescente. Em 2013, foram exportados US$ 45.429 de pedras preciosas em estado bruto; US$ 27.490 de rubis, safiras e esmeraldas lapidadas; e US$ 36.188 de joalheria (ourivesaria e metais preciosos) (SEBRAE, 2016).
Estima-se que existam cerca de 2.000 empresas de lapidação, de joalheria, de artefatos de pedras e de folheados de metais preciosos no Brasil (QUADRO 01). Elas estão localizadas, principalmente, em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia. Todavia, novos polos industriais, como Paraná, Pará, Amazonas e Goiás estão despontando. Além dessas indústrias legalizadas, o setor convive com grande número de empresas informais e artesãos, que vivem à margem do mercado, tanto na produção quanto na comercialização de seus produtos (HENRIQUES & SOARES, 2005).
Número de empresas em 2004 | ||
Indústria | Lapidação/ Obras de pedras | 730 |
Joalheria Ouro e Prata | 650 | |
Folheados de Metais Preciosos | 590 | |
Total Indústria | 1.970 | |
Varejo | Total Varejo | 16.000 |
Fonte: HENRIQUES & SOARES, 2005, p. 22.
Em uma pesquisa levantada no segmento da indústria joalheira, foi demonstrado que 52,4% das empresas pesquisadas possuem menos de 50 empregados, caracterizando-se, portanto, como de micro e pequeno portes. Quando examinado o segmento de lapidação de pedras e artefatos de pedras, a participação das empresas de menor porte, que possuem até 50 empregados, sobe para 75% (HENRIQUES & SOARES, 2005). Para que as empresas se mantenham competitivas, é central o desenvolvimento de produtos que atendam ao gosto do consumidor. No mundo empresarial de hoje, existe um espaço cada vez menor para as ideias que nascem isoladamente, por esforços individuais de inventores ou por acaso. Novos produtos são buscados conscientemente, por meio de esforços organizados de equipes (MOREIRA, 2013). Tais equipes são compostas por profissionais distintos, conjugando múltiplas competências e, portanto, sendo caracterizadas por um perfil multi e interdisciplinar.
Nesse cenário, surge o design que, entendido como uma atividade crucial no processo de inovação, onde as ideias são geradas no domínio da criatividade acopladas entre possibilidades técnicas, demandas e oportunidades de mercado (STONER & FREEMAN, 1985, apud PADILHA et al, 2010). Trata-se de uma atividade articuladora e multidisciplinar que integra planos estratégicos e operacionais de acordo com a visão e missão da empresa, desenvolvendo produtos de acordo com as tendências, prazos e custos (PADILHA et al, 2010). Conforme o Conselho Internacional das Sociedades de Design Industrial (ICSID), o design industrial é um processo estratégico de resolução de problemas que impulsiona a inovação, constrói o sucesso do negócio e leva a uma melhor qualidade de vida através de produtos inovadores, sistemas, serviços e experiências (ISCID, 2016). No âmbito do setor joalheiro, o design é entendido como a principal estratégia adotada para diferenciar a joia brasileira no mercado mundial, além de ser fundamental para agregar valor e criar identidade visual para a joia brasileira (HENRIQUES & SOARES, 2005). Assim, o profissional de design de joias, isto é, o designer de joias, torna-se central não só no desenvolvimento de produtos, mas também nas decisões estratégicas da empresa.
Neste trabalho, busca-se estudar a interface de atuação e mediação do designer de joias na gestão estratégica do projeto. São objetivos específicos delinear através das novas abordagens da abrangência da atividade do Design, como o profissional pode atuar de forma a contribuir para os objetivos estratégicos das empresas, sob a luz da Gestão do Design e dos processos de produção que envolvem sua atuação, além de entender os benefícios da prática para o desenvolvimento de projetos adequados, agregação de valor, visibilidade da empresa no mercado através de seus produtos e serviços, e geração de inovação. A metodologia consiste em uma revisão de literatura sobre o tema. Para tanto, foram estudados autores nas áreas de Design de Produto, com ênfase no Design de Joias, e na Engenharia de Produção, com foco no escopo do Processo de Desenvolvimento de Produto.
2. Desenvolvimento
2.1. A relevância estratégica do design
A competitividade mundial tem evidenciado cada vez mais a necessidade do emprego do design, entendido não apenas como adição externa da estética, mas como desenvolvimento de projetos em toda a sua complexidade. Seu potencial é melhor aproveitado quando incorporado ao processo de produção desde a concepção da estratégia da empresa, passando por todas as fases de desenvolvimento, de uma forma integrada com outras áreas e sob todos os aspectos (MARTINS, 2004). Assim, o design deve tornar-se parte integrante dos objetivos das empresas, sendo pensado desde a fase inicial de estratégias, diretrizes e concepção dos produtos, permeando todos os níveis de atividades das empresas. Com isso, além das demais atividades da organização, a empresa passa a desempenhar a atividade de gestão do design (LIBÂNIO, 2011).
Embora o design destaque-se como primeira prioridade do empresário, a visão quanto ao seu uso dentro das empresas pesquisadas em MG, é expressa de forma restrita, não o incluindo no planejamento do produto desde os estágios iniciais de seu desenvolvimento (TEIXEIRA, 2002). Torna-se cada vez mais necessário perceber que o design faz parte de um processo anterior à concretização da forma (produto) e entender o Design como uma atividade multidisciplinar, que age diretamente na estrutura e nas relações funcionais das empresas (LIBÂNIO, 2011), onde é ator principal de integração de setores e equipes de trabalhos envolvidas nos variados projetos. Ainda como pontua LIBÂNIO (2011) a compreensão do design como um processo aliado à atividade multidisciplinar do profissional de design (e sua interação com seus demais interlocutores) pode potencializar os processos de gestão de design, alavancando a competitividade das empresas.
2.2. O processo de desenvolvimento de produto
A atividade de desenvolvimento de um novo produto não é tarefa simples (BAXTER, 2000). Ela requer pesquisa, planejamento cuidadoso, controle meticuloso e, mais importante, o uso de métodos sistemáticos. Os métodos sistemáticos de projeto exigem uma abordagem interdisciplinar, abrangendo métodos de marketing, engenharia de métodos e a aplicação de conhecimentos sobre estética e estilo. Esse casamento entre ciências sociais, tecnologia e arte aplicada nunca é uma tarefa fácil, mas a necessidade de inovação exige que ela seja tentada.
Os processos de design não são lineares e tampouco se apoiam somente em aplicações técnicas. O design é uma atividade implícita no processo do experimento, e sua prática estabelece a cooperação e integração entre os diferentes atores, o que o destaca como disciplina de interface, o ator-mediador dentro do processo. O design é qualificado como uma atividade de “gerenciamento reflexivo” onde o fazer e o pensar são complementares (SCHÖN, 1983, apud VISSER, 2010). O fazer está além do pensar na prototipagem (testes), mas o pensar está presente na análise dos feedbacks e nos resultados (VISSER, 2010). Outro fator agravante no processo de design é o ambiente dinâmico em que as empresas operam, com pressões constantes para mudanças de projeto, vindas do mercado (clientes e competidores), da legislação ou de dentro da empresa. Dessa maneira, o projeto original está frequentemente sujeito a constantes alterações ao longo do tempo (MOREIRA, 2013).
O fator tempo é crucial no projeto de produto. Segundo NAVEIRO (2008), denomina-se “ciclo de vida” de um produto ao histórico do produto desde sua criação até a sua retirada do mercado. Para BAXTER (2000), os produtos têm um desempenho no mercado semelhante ao ciclo de vida dos seres vivos – nascem, crescem, atingem a maturidade e entram em declínio. A análise da curva de vida dos produtos tem o objetivo de diagnosticar a linha de produtos da empresa, determinando a fase de vida de cada um deles, bem como determinar a velocidade de obsolescência do produto.
Cabe ao Processo de Desenvolvimento de Produtos (PDP) situar-se na interface entre a empresa e o mercado, pertencendo a ele identificação – e até mesmo se antecipação – das necessidades do mercado e propor soluções (por meio de projetos de produtos e serviços relacionados) que atendam a tais necessidades. Daí sua importância estratégica, buscando: identificar as necessidades do mercado e dos clientes em todas as fases do ciclo de vida do produto; identificar as possibilidades tecnológicas; desenvolver um produto que atenda às expectativas do mercado, em termos da qualidade total do produto; desenvolver o produto no tempo adequado – ou seja, mais rápido que os concorrentes – e a um custo competitivo. Além disso, também deve ser assegurada a manufaturabilidade do produto desenvolvido, isto é, a facilidade de produzi-lo, atendendo às restrições de custo e de qualidade na produção (ROZENFELD et al, 2006). De acordo com KAEBERNICK et al (2003), as práticas correntes do desenvolvimento de produtos visam atingir alta qualidade de um produto, a um custo baixo e lucro alto. Observa-se que relevância estratégica do PDP vai ao encontro dos cinco objetivos de produção propostos por SLACK et al (1997), que são: custo, velocidade, qualidade, confiabilidade de entrega e flexibilidade. Assim, busca-se entregar ao cliente um produto dentro das condições ótimas do projeto e da produção na empresa.
2.3. O design e o designer de joias
Segundo BAXTER (2000) o desenvolvimento de produtos deve ser orientado para o consumidor. O designer de produtos bem-sucedido é aquele que consegue pensar com a mente do consumidor: ele consegue interpretar as necessidades, sonhos, desejos, valores e expectativas do consumidor. É também através do produto que o consumidor conhece e entende a empresa no contexto de mercado, seus valores, tecnologia, identidade e imagem.
A joia deve ser entendida enquanto um produto sujeito às mesmas orientações de qualquer outro. Seu desenvolvimento envolve a atuação de áreas e profissionais diversos, e seu design constrói-se ao longo da variada coletiva prática, com múltiplas possibilidades implícitas na atividade (TEIXEIRA, 2002). Logo, a joia é um produto que deve ser pensado e orientado para o mercado e seu desenvolvimento deve abranger as metodologias e análises previstas para o desenvolvimento de produtos.
Dentre os vários aspectos que concernem o valor das joias, verifica-se um interesse nos seguintes níveis: o processo e a criação, a transformação do objeto, a incorporação de novas técnicas, e o aprendizado com os materiais (CODINA, 2004). Por envolver, ao mesmo tempo práticas artesanais e de alta tecnologia, o design de joias tem na comunicação e integração das equipes o fator essencial à construção do repertório da atividade. O desenvolvimento e fabricação das joias compreendem dois momentos importantes: o criativo (design) e o material (produção, ourivesaria e alta tecnologia atualmente empregada). A identidade do produto será o resultado da estreita cooperação entre os atores desses processos (TEIXEIRA, 2002).
Considerando todos os fatores estratégicos da gestão do design de joias até aqui abordados, temos: a cooperação da equipe multi e interdisciplinar; o equilíbrio entre práticas artesanais e tecnologia; também o equilíbrio entre aspectos teóricos e práticos do projeto; o uso de metodologias e ferramentas de projeto e de processo; o foco nos objetivos da produção; a orientação para as necessidades do consumidor final. Tais fatores são estratégicos porque buscam assegurar a competitividade das empresas e, consequentemente, seu lucro. Dado o designer de joias ser um dos principais atores do processo de desenvolvimento de produto, cabe a ele ter um papel relevante na tomada de decisões estratégicas da organização.
3. Considerações finais
A revisão de literatura apresentada tem caráter exploratório na pesquisa sobre o papel do designer de joias na gestão estratégica do projeto em empresas de joias de Minas Gerais. Fundamentou-se tanto nas áreas de Design Industrial quanto de Engenharia de Produção, considerando aspectos de gestão e do mercado de joias. Com este trabalho, buscou-se contribuir para uma lacuna na literatura quanto às especificidades do designer de joias em uma abordagem de estratégia organizacional.
Referências
BAXTER, M. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. Blucher, São Paulo, 2000, 260 p.
CODINA, C. The new jewelry: contemporary materials and techniques. New York: Lark Books, 2004. 160 p.
HENRIQUES, H. S.; SOARES, M. M. (Coords.). Políticas e Ações para a Cadeia Produtiva de Gemas e Jóias / Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos. Brasília, Brisa, 2005, 116 p
ICSID. Definition of design industrial. Disponível em: < http://www.icsid.org/about/about/articles31.htm > Acesso em: 05 mar. 2016.
LIBÂNIO, C. S. O papel do profissional de design e suas interfaces na gestão do design: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção, UFRGS, Porto Alegre, 2011, 117 p.
MARTINS, R. F. F. A gestão de design como estratégia organizacional: um modelo de integração do design em organizações. Tese de Doutorado em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis, 2004, 202 p.
MOREIRA, D. A. Administração da produção e operações. São Paulo, Cengage Learning, 2013, 623 p.
PADILHA, A. C. M. et al. A gestão de design na concepção de novos produtos: uma ferramenta de integração do processo de gestão e inovação. Rev. Adm. UFSM, Santa Maria, v. 3, n. 3, p. 346-360, set./dez. 2010.
ROZENFELD, H. et al. Gestão de desenvolvimento de produtos – uma referência para a melhoria do processo. São Paulo, Saraiva, 2006, 542 p.
SEBRAE. Oportunidades preciosas para gemas e joias. Disponível em: < http://www.sebraemercados.com.br/oportunidades-preciosas-para-gemas-e-joias/> Acesso em: 05 mar. 2016.
SLACK, N. et al. Administração da produção. Atlas, São Paulo, 1997, 754 p.
TEIXEIRA, M. B. S. Os objetos intermediários da concepção na construção coletiva da identidade do produto de joalheria. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção, UFMG, Belo Horizonte, 2002, 127 p.
VISSER, W. Schön: design as a reflective practice. Collection, Parsons Paris School of art and design, 2010, Art + Design & Psychology, pp.21-25.