Transição de Daniela Falcão para Paula Mageste como CEO da Globo Condé Nast
Denúncias de assédio moral e desligamento conturbado de Daniela Falcão
Daniela Falcão, ex-diretora da Vogue Brasil e ex-CEO da Globo Condé Nast, era reconhecida por um trabalho de excelência comercial. Não posso dizer excelência editorial, pois eventualmente quando dialogava com a moda sustentável, era de uma forma superficial (escrevo como ex-assinante da Vogue Brasil desde 2007, e como pesquisadora de moda ética). A principal revista de moda do país presta um constante desserviço ao meio ambiente e às pessoas quando estimula o consumismo, e reitera o sistema tradicional ou ultrapassado da moda, que é a prerrogativa do Novo. Em outras palavras, educa as pessoas a consumirem mais e/ou a desejarem um lifestyle elitista.
Que propósito de trabalho e de revista é este em 2020? O que importa se desde a década de 1980, chefes de estado e cientistas dialogam sobre a emergência climática e o colapso do sistema de consumo? Basta ignorar e colocar uma viseira de plástico, se ela for fashion, e seguir com a narrativa alienante de que se pode ter o mesmo comportamento de consumo de décadas anteriores.
Pois já não bastava o anacronismo editorial dos principais veículos de moda, design e lifestyle do país, ainda temos a vergonha alheia de ler diversos relatos de trabalhadores subalternos de Daniela Falcão denunciando assédio moral. Vide a ótima reportagem do BuzzFeed e que foi replicada em diversas mídias, locais, nacionais, sérias e de fofoca:
Ex-funcionários relatam rotina de assédio e humilhações na Vogue Brasil – BUZZFEED NEWS
- Relato de Mônica Salgado sobre trabalhar com Daniela Falcão – BUZZFEED
- BuzzFeed denuncia assédio na Globo Condé Nast – PORTAL DOS JORNALISTAS
- Baiana diretora da Vogue é apontada como autora de episódios de abuso moral – BAHIA NOTÍCIAS
- Após acusação de assédio, Globo demite Daniela Falcão, chefona da Vogue – LEO DIAS – METRÓPOLES
- Após acusações de assédio na Vogue, Daniela Falcão deixa as Edições Globo Condé Nast – CORREIO 24 HORAS
- Ex-funcionários da “Vogue Brasil” denunciam série de assédios e xingamento de diretora: “infinitas horas, humilhações e gritos” – confira relatos chocantes! – HUGO GLOSS
Angústias, lágrimas, gritos, sensação de inferioridade eram (são?) parte da cultura de trabalho em que se estimula a consumir mais e mais. A máquina de produção de narrativas esteticamente agradáveis, mas destrutivas para o equilíbrio do meio ambiente, é ela mesma hostil. E implosiva. Felizmente culminou com o desligamento da profissional-central deste sistema, e bem como do afastamento de outras próximas (Bárbara, etc).
Auto-afirmações de Daniela
É saudável dar lugar de fala ao outro lado, então seguem duas entrevistas, em que ela justifica sua forma de trabalhar.
Daniela Falcão: “A imprensa brasileira é livre, mas existem ameaças” – DELAS
Evitando polêmicas e passando o pano
Reproduzimos a seguir o comunicado do diretor-geral da Editora Globo, Frederic Kachar, a respeito do desligamento de Daniela Falcão:
MUDANÇAS NA DIREÇÃO GERAL DA EDIÇÕES GLOBO CONDÉ NAST
Após dez anos de dedicação, trabalho e parceria, Daniela Falcão deixará a Edições Globo Condé Nast no fim deste ano, em comum acordo com a Editora Globo e a Condé Nast, para a realização de um desejo antigo de se dedicar a consultoria e a projetos pessoais. Nas próximas semanas, trabalharemos juntos na transição e planejamento para 2021.
Daniela foi uma das primeiras pessoas a aceitar meu convite para fazer parte da EGCN, joint venture entre Editora Globo e Condé Nast, criada em 2010 com o intuito de não somente amplificar o alcance e a relevância dos produtos que já existiam àquela altura (Vogue e Casa Vogue), mas também lançar novas marcas do portfólio deste parceiro no mercado brasileiro. Na ocasião, Dani juntou-se à EGCN como diretora de Redação da Vogue, cargo que já ocupava na empresa que anteriormente editava a revista.
O primeiro grande desafio, rapidamente superado, foi o de inserir a Vogue – até então uma revista impressa – no ecossistema digital. Criamos o primeiro site da marca no Brasil e, em menos de dois anos, ele passou a disputar a liderança em audiência digital. Além disso, fomos pioneiros no desenvolvimento dos perfis em redes sociais, onde logo nos tornamos líderes absolutos no segmento. A construção de uma sólida e engajada audiência nos possibilitou uma robusta evolução do modelo de negócios ao longo da década passada, e Vogue Brasil tem hoje praticamente 40% do seu faturamento vindo de canais digitais.
Sem dúvidas, fomos capazes de acompanhar as rápidas transformações dos mercados de moda, beleza e lifestyle, além das agudas mudanças nos hábitos de consumo da nossa audiência, nestes dez anos. E temos orgulho, hoje, de constatar que a Vogue brasileira está entre as cinco principais do planeta.
Depois de um ano como diretora Editorial da empresa, a partir de 2017, Daniela assumiu a direção geral da EGCN. Destaco, neste período, a notável evolução na qualidade editorial de todos os produtos do nosso portfólio, além de uma maior disseminação da cultura digital nas equipes editorial e comercial. Nossas audiências em todos os demais produtos seguiram crescendo, assim como as receitas digitais.
Vale ressaltar também o fortalecimento da nossa grade de eventos, outra fonte importantíssima de resultados para a empresa. O Baile da Vogue se tornou o mais importante e disputado evento de luxo no país. Nosso Men of the Year, evento global da GQ, está entre os três maiores do mundo. Geração Glamour e Casa Vogue Experience também são benchmarks, dentro e fora do Brasil. E Wired, a marca mais admirada no mundo em inovação e tecnologia, desembarcou por aqui há quatro anos justamente como uma plataforma de eventos. Ainda nessa seara, sinto muito orgulho de termos desenvolvido em conjunto o Veste Rio, uma parceria entre Vogue e O Globo, que rapidamente se tornou o maior e mais influente evento para o trade da moda brasileira. Conseguimos unir as forças de duas marcas do nosso portfólio para criar um produto único, que foi capaz de restaurar a relevância do Rio de Janeiro no mundo da moda e da economia criativa, vocações que estavam abandonadas até então.
Por último, destaco também os projetos de responsabilidade social e ambiental desenvolvidos sob a gestão da Daniela, unindo anunciantes e ONGs, além da aceleração das práticas de inclusão e diversidade em nossos conteúdos e também junto ao corpo de colaboradores da EGCN.
Em breve, voltaremos com mais detalhes sobre a estrutura da empresa. Nesse ínterim, conto com o apoio de todos. Mesmo um ano dificílimo como tem sido 2020 não abala a minha confiança na capacidade da nossa equipe de seguir transformando a EGCN em uma empresa de mídia admirada e sustentável.
Um abraço,
Frederic Kachar
Nova direção de Paula Mageste e expectativas da linha editorial
Ex-publisher da Elle e responsável pelo melhor posicionamento e faturamento de outras revistas, Paula Mageste assume como nova CEO da da Globo Condé Nast. A expectativa é de uma nova curadoria de conteúdo, mais aprofundado e poético, semelhante a nova Elle, que vinha sendo elogiada nos bastidores. Obviamente também se espera que os trabalhadores, jornalistas, fotógrafos, assistentes, maquiadores, dentre outros, sejam tratados com polidez, cordialidade, elegância do trato, respeito. Amorosidade quem sabe? Por que não?
Do local de fala de uma mídia independente de pesquisa sobre moda ética, a expectativa é de que haja uma mudança interna, na cultura de trabalho da empresa. E quem sabe com o desenvolvimento do PROFUNDO RESPEITO PELAS PESSOAS, talvez a emergência climática, o sofrimento da nossa Mãe Terra, que nos obriga a mudar nossos hábitos de consumo há décadas, se torne legítimo. Uma cultura de trabalho amorosa nos levaria a repensar nosso tempo, nossos laços, nosso consumo?
Chega de falar de sustentabilidade como um anexo editorial de poucas palavras. E de tratar pessoas como lixo.
É preciso transformar a cultura interna da empresa para transformar a “cultura externa”. Na minha opinião, é obrigação prestar um serviço de educação de consumo, além do meramente Novo, ou vamos continuar criando muros mui fashion – e alienantes – sobre o nosso propósito de vida e nossa responsabilidade com as pessoas e o planeta. Uns vão chamar esses muros de revistas de moda.
Desejamos sucesso e que o sucesso se meça com respeito.