O tal ecoblend da Osklen
Material questionável, inferior ao que já existe no mercado, mas ainda assim na tal estética do ecológico
Eles chamam de sustentável um composto, uma blenda, alguns tipos de fibras amalgamadas (PET misturado com cânhamo, linho, algodão) que não mais poderão ser recicladas separadamente.
Novamente: um composto. Não um compósito.
Um dos principais autores sobre Ciência e Engenharia dos Materiais, muito lido nas Engenharias, Callister (2002) diferencia compostos de compósitos. Ele cita o princípio da ação combinada, em que um compósito, material multifásico, deve ter “uma proporção significativa das propriedades de ambas as fases que o constituem, de tal modo que é obtida uma melhor combinação de propriedades”. A rigor, um compósito consiste em:
[…] material multifásico feito artificialmente, em contraste com um material que ocorre ou se forma naturalmente. Além disso, as fases constituintes devem ser quimicamente diferentes e devem estar separadas por uma interface distinta. […] Muitos materiais compósitos são compostos por apenas duas fases; uma é chamada de matriz, que é contínua e envolve a outra fase, chamada frequentemente de fase dispersa (Callister, 2002, p. 359).
Callister, W. D. Ciência e Engenharia de Materiais: uma introdução. LTC, Rio de Janeiro, 2002, p. 359.
DOWNLOAD PDF Ciência e Engenharia dos Materiais – CALLISTER – 620 páginas
A tal ecoblenda, um composto (e não um compósito! não um material melhor que os anteriores separadamente) que foi criado não sei por qual empresa têxtil, recebeu a chancela/marca de E-fabrics, do Instituto E, foi usado nas roupas da Osklen, e comunicado em sites de jornalismo capenga sobre moda sustentável, é:
nada além de um novo lixo tecnológico.
Isso por causa do PET unido a outras fibras naturais, como algodão (reciclado e certificado), cânhamo e linho. Ganha-se em estilo, em estética, em uma malha com um aspecto rústico, meio “dura” no caimento. Mas perde-se em qualidade, perde-se em resistência mecânica (só o cânhamo, que é uma fibra melhor que o algodão, mais comprida, mais resistente, não precisaria se unir a nenhuma outra fibra, pra ser melhor, pra ser um compósito, mas já como blenda… coitadinho! teve suas propriedades mecânicas reduzidas). O tal aspecto rústico é de um tanto de fibra solta da tecelagem – mas que não posso afirmar que já seja pilling, teria que fazer um teste. Em todo caso, o tanto de fibra solta, sem acabamento químico, facilita a formação de bolinhas/pilling, envelhecendo a roupa mais rapidamente. Pode até ser que com o tempo, de uso, de lavagens, a malha fique mais bonita (eu creio que não, baseando-me no que estudei no meu mestrado).
Seja como for, não é de hoje que a Osklen externaliza para o usuário/consumidor o tempo de teste de uso de um material ou uma técnica nova – prática bem comum nas empresas de moda, que tem que apresentar novos acabamentos de superfície e materiais periodicamente por conta da competitividade, do fator novidade.
E também não é de hoje que a Osklen advoga pelo mais sustentável possível, mas só quando convém para o Estilo, não como um compromisso sério, de pelo menos estimular o desenvolvimento de algo melhor que já existe (o compósito), e não pior (a blenda, o composto).
E pra finalizar, essa estética de escancarar que o material é sustentável (mas nesse caso da ecoblenda, é bem menos do que parece, do que pretende) porque tem uma cara de cru, de rústico, “de madeira de demolição aparente na nova construção”, e misturar um tanto de material (cortiça com borracha em solado; pó de serragem com polímero em vasinhos; PET com cânhamo com tudo o mais), tal o “sopão de legumes” da culinária criativa dos restos, já deu. É a estética do eco-feio, eco-ugly. Isso está em um livro de design sustentável de um professor italiano que influenciou a literatura há mais de dez anos em alguns cursos de design de produto no Brasil (mais no eixo Sudeste e Sul):
VEZZOLI, C. Design de sistemas para a sustentabilidade: teoria, métodos e ferramentas para o design sustentável de “sistemas de satisfação”. EDUFBA, Salvador, 2010, 343 p.
Reproduzo a seguir o texto da Assessoria de Imprensa, e ao final indico algumas leituras para se aprofundar no assunto. Gosto muito da Osklen. Só quem ama, critica. 😉
OSKLEN AUMENTA SEU PORTFOLIO DE MATÉRIAS-PRIMAS SUSTENTÁVEIS
Junto ao Instituto-e, Osklen lança o Ecoblend e a Viscose-e no Alto Verão 20
A Osklen – em parceria com o Instituto-E – desenvolve projetos e iniciativas baseadas no conceito ASAP – As Sustainable As Possible, As Soon As Possible, fazendo da moda uma plataforma de comunicação para a difusão conceitos e atitudes em busca de um dia a dia cada vez mais sustentável.
Com base nesse movimento e se destacando como um dos principais laboratórios de desenvolvimento de matérias-primas sustentáveis no cenário da moda global, a Osklen lança seus mais recentes e-fabrics* reforçando o seu compromisso com a redução do impacto ambiental em sua cadeia de produção e geração de valor para a comunidade: a viscose-e e o ecoblend.
Desenvolvido exclusivamente pela Osklen, o ecoblend é feito a partir de uma combinação de fibras provenientes de processos e matérias-primas sustentáveis, como Algodão reciclado, PET, Cânhamo, algodão certificado e linho*. Com visual rústico, ótimo toque e caimento, essa malha é ainda usada em sua cor natural, o que reduz o gasto de água, corantes e outros produtos químicos.
>>> e aí a Assessoria de Imprensa acrescenta mais um tanto de informação indiretamente relacionada à tal ecoblenda, não mais explicando-a. <<<
A viscose-e, por seguir critérios de manejo sustentável, reduz em 50% o uso de água e a emissão de CO2 quando comparada com viscose tradicional. Além de possuir todas as etapas de sua cadeia de produção rastreadas, desde a extração da matéria-prima até os pontos de venda, é confeccionada a partir de madeiras oriundas de manejo sustentável e certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC), Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) e EU Ecolabel.
Sobre os e-fabrics*
Lançado em 2007, o projeto de e-fabrics da Osklen e Instituto- e tem como objetivo identificar matérias-primas sustentáveis que possam ser utilizadas pela indústria têxtil e pela cadeia produtiva da moda estimulando, assim, uma cultura de consumo consciente. O projeto visa a promoção do estudo dos impactos socioambientais no processo produtivo, a preservação da diversidade e das relações sociais com comunidades, criando produtos com design.
Algodão Reciclado: proveniente da sobra de resíduos têxteis, são retalhos de malhas e tecidos, que seriam descartados pela indústria. Esse processo evita o descarte indiscriminado, colabora para a limpeza do planeta e gera empregos.
PET: produzido a partir do processo de reciclagem de embalagens PET, gera uma economia de energia de 76% e a redução de emissões de CO2 é de 71% em comparação com o processo convencional. O Brasil descarta hoje 6 bilhões de garrafas PET por ano, material que leva 300 anos para se decompor. Sua reciclagem é um importante fator na diminuição do aquecimento global, colabora com a limpeza do planeta, gera empregos, resgata a dignidade e oferece melhoria na qualidade de vida das pessoas.
Cânhamo: um dos primeiros “e-fabrics” utilizados pela Osklen, no início dos anos 2000. É uma fibra longa e durável, fazendo com que as características da peça se mantenham por mais tempo, além disso suas propriedades térmicas garantem uma peça fresca, ideal para o nosso clima. Por ser uma planta resistente, em sua lavoura, usa-se menos água que para o plantio das demais fibras naturais, e não são utilizados agrotóxicos.
Linho: é uma fibra nobre, termoreguladora, reconhecida pela sua qualidade e durabilidade. Além de não precisar de irrigação, a cultura do linho não usa agrotóxicos e o processo de produção da fibra é mecânico, sem a necessidade de produtos químicos.
Sobre o EU Ecolabel:
A certificação EU Ecolabel – originária da Comissão Europeia de Meio Ambiente (Environment Directorate General of the European Commission) – é fornecida apenas à produtos que atendem critérios ambientais rigorosos definidos por um painel de especialistas de diversas áreas, incluindo grupos de consumidores e indústrias, que buscam uma redução significativa dos impactos ambientais gerados pelas indústrias levando em consideração todo o ciclo de vida dos produtos – desde a extração das matéria.
Sobre o FSC:
Fundado em 1993 como resposta às preocupações sobre o desmatamento global, o FSC é um fórum pioneiro, que reúne vozes do hemisfério norte e sul, para definir o que é um manejo florestal ambientalmente adequado, socialmente benéfico e economicamente viável, e identificar ferramentas e recursos que promovam uma mudança positiva e duradoura nas florestas e nos povos que nela habitam.
Através de seu sistema de certificação, o selo FSC reconhece a produção responsável de produtos florestais, permitindo que os consumidores e as empresas tomem decisões conscientes de compra, beneficiando as pessoas e o ambiente, bem como agregando valor aos negócios. O FSC tem sede em Bonn, na Alemanha, e é representado nacionalmente em mais de 70 países ao redor do mundo.
Sobre o PEFC:
É uma organização guarda-chuva, com base em Genebra Suíça, que apoia sistemas nacionais de certificação florestal desenvolvidos por meio de processos unindo várias partes interessadas e adaptados às prioridades e condições locais para promover o manejo sustentável das florestas.
Leia mais matérias do Ethical Fashion Brazil:
- Compósitos de resíduos têxteis
- Hering: com jeans ecológico da Vicunha. E só.
- Osklen: externalização da ética e sustentabilidade
- Ética e o novo luxo – Rio Ethical Fashion
Leia mais dos nossos trabalhos científicos:
DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas; DE FARIA, Paulo Eustáquio. Estudo comparativo do impacto ambiental da produção têxtil de jeans CO/PET convencional e de jeans CO/PET reciclado. Anais do VIII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Uberlândia, 2014.
DUARTE, Luciana dos Santos. Conforto e durabilidade de protótipos de calças de jeans CO/PET convencional e de jeans CO/PET reciclado. Anais do 11º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gramado, 2014.
DUARTE, Luciana dos Santos. Design de jeans para sustentabilidade: aplicação de ferramentas de redução de impacto ambiental para análise do jeans CO/PET reciclado. Revista IARA. SENAC, São Paulo, Vol. 17, n. 2, 2014.
DUARTE, Luciana dos Santos. Estudo comparativo do impacto ambiental do jeans CO/PET convencional e de jeans reciclado. Dissertação de mestrado em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013, 101 p.
MIRANDA, Tuany Marques; DUARTE, Luciana dos Santos. Consumo sustentável de moda: a relação da estética da coleção Amazon Guardians da Osklen com o paradigma do consumo de códigos e objetos de moda. Seminário Design de Imagem: dialética do design e suas interfaces. Universidade do Estado de Minas Gerais, Barbacena – MG, 2013, pp. 278 – 286.
DUARTE, Luciana dos Santos; MOREIRA, Cristina de Andrade; PINTO, Plínio César de Carvalho; LIMA, Geraldo Magela. Desenvolvimento de compósitos sustentáveis à base de resíduos têxteis. Anais do VII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica. Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2012.
DUARTE, Luciana dos Santos. O desenvolvimento de produtos de moda ética: uma análise das diretrizes de sustentabilidade aplicadas no setor de moda no Brasil. Trabalho de conclusão de curso em Design de Produto. Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.