Brancos davam tecidos vermelhos maléficos para os Yanomami
Xamã Yanomami relata no livro “A Queda do Céu” sobre os têxteis nos primeiros contatos com os homens brancos
Um dos livros mais fascinantes, belos, e inspiradores que já li, e também um marco na Antropologia no Brasil, “A Queda do Céu” traz as vozes do xamã Yamonami Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert em mais de 20 anos de relatos etnográficos. Grifei o livro inteiro, não querendo que acabasse. E aqui transcrevo apenas um trecho do capítulo 10 – “Primeiros contatos com os brancos”, em que Davi descreve como foi receber tecidos vermelhos dos homens brancos.
“Naquela época, os brancos também distribuíam grandes quantidades de cortes de tecido vermelho. Os homens faziam tangas com ele. Mas esse tecido de algodão também era muito perigoso. Pouco depois de receber um corte dele, as pessoas começavam a tossir e seus olhos infeccionavam. Por isso os tecidos foram chamados de thoko kiki, coisas da tosse. São bens de troca maléficos, produzidos pelos antigos brancos em terras afastadas, com o algodão de árvores de epidemia xawara hi. A imagem deles aparecia aos olhos dos antigos xamãs que combatiam sua doença na forma de farrapos de tecido de um vermelho intenso. Hoje, usamos bermudas e outras roupas. Mas ainda desconfiamos das peças de algodão vermelho. O mal deles castigou muito os nossos antepassados. Quando os brancos as rasgavam, saía uma fumaça enjoativa que deixava todos doentes. O peito de nossos pais e de nossos avós era fraco demais para resistir a ela, e a tosse os matava depressa. Essa poeira malcheirosa vinha dos armazéns onde os brancos empilhavam as peças de pano para guardá-las; era o cheiro da fumaça do motor das máquinas que o haviam tecido (KOPENAWA & ALBERT, 2015, pp. 246-247)”.