O que é moda ética? Como desenvolver produtos de moda?
Fundamentada na ética da sustentabilidade, a moda ética pode ser compreendida por meio de estratégias aplicáveis para o desenvolvimento de produtos
Em 2011, estive na Universidade Federal do Espírito Santo, para apresentar o artigo “Contexto histórico da moda ética e estratégias da ética da sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda”, publicado nos Anais do 1º Simpósio de Pesquisa e Extensão em Design. O artigo pode ser citado como:
DUARTE, Luciana dos Santos. Contexto histórico da moda ética e estratégias da ética da sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda. Anais do 1º SIMPEX Simpósio de Pesquisa e Extensão em Design. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2011.
Naquela época, eu esboçava as primeiras reflexões sobre como tratar a moda, de acordo com a ética da sustentabilidade, aplicada para a realizada brasileira. Em quase dez anos, muita coisa mudou, mas as estratégias ainda continuam as mesmas.
Contexto histórico da moda ética e estratégias da ética da sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda
Historical context of ethical fashion and the ethics of sustainability strategies for the development of fashion products
Luciana dos Santos Duarte, lucianjung@gmail.com
Design de produto, sustentabilidade, moda ética
Este trabalho apresenta um levantamento bibliográfico sobre moda ética, contextualizando-a historicamente em paralelo com a abordagem do design de produto. Distingue os conceitos de moda ecológica, moda sustentável, design verde, ecodesign e design para sustentabilidade. Justifica-se pelo crescimento de consumo de produtos éticos e pelo portentoso setor de moda brasileiro, ainda carente de metodologia específica para desenvolvimento de produtos de moda ética. Tem por objetivo principal indicar estratégias para valorizar produtos de moda, consoante a perspectiva da ética e estética da sustentabilidade. Com base em tais diretrizes, são correlacionadas treze estratégias para o desenvolvimento de produtos de moda ética, as quais podem embasar uma posterior metodologia apropriada e específica ao setor de moda brasileiro, considerando o novo paradigma da ética da sustentabilidade.
Industrial design, sustainability, ethical fashion
This paper presents a literature on ethical fashion, historically contextualizing it in parallel with the approach of industrial design. It distinguishes the concepts of eco-fashion, sustainable fashion, green design, ecodesign and design for sustainability. It is justified by the consumption growth of ethical products and the mighty Brazilian fashion industry still lacks specific methodology for product development of ethical fashion. Its main objective indicates strategies for value fashion products, depending on the perspective of ethics and aesthetics of sustainability. Based on these guidelines, are correlated thirteen strategies for the development of ethical fashion products, which can later support an appropriate and specific methodology to the fashion industry in Brazil, considering the new paradigm of sustainability ethics.
1 Introdução
A moda, de um modo geral, ainda é pouco estudada no Brasil, constatando-se uma “bibliografia inexpressiva e carente de comprovação científica” (RECH, 2002). O acervo bibliográfico de moda caracteriza-se por apresentar majoritariamente “materiais técnicos de modelagem, costura e confecção, guias práticos de como se vestir conforme as tendências, manuais empíricos de desenvolvimento de coleções e biografias de estilistas famosos” (RECH, 2002).
Tanto a “moda sustentável” quanto a “moda ética” são estudadas em poucas universidades brasileiras, tendo sido identificados poucos trabalhos acadêmicos publicados nessa área. Na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)[1], Universidade Anhembi Morumbi[2], Universidade Estadual Paulista (UNESP, campi Bauru/SP)[3] e Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG, campi Belo Horizonte/MG)[4] encontram-se alguns dos trabalhos mais significativos.
Diferentemente da realidade brasileira, a moda sustentável tem sido tema constante em trabalhos de conclusão de curso na Inglaterra e na França. No Chelsea College of Art, por exemplo, em 2008, “67% dos trabalhos de conclusão do curso de moda foram sobre questões eco ou éticas” (LEE, 2009). Já o London College of Fashion, da University of Arts London, uma das principais escolas de moda do mundo, abriga desde 2007 o Centre for Sustainable Fashion, centro de estudos da sustentabilidade no design de moda.
Os principais teóricos da moda sustentável são as inglesas PhD. Kate Fletcher (que desenvolveu o conceito de slow fashion consoante ao de slow food, em 1986, autora de “Sustainable fashion and textiles: design journeys”), profa. Rebecca Early (coordenadora do Textile Environment Design, centro de estudos do Chelsea College of Art), Sandy Black (London College of Fashion, autora de “Eco-chic: the fashion paradox”) e a americana PhD. Janet Hethorn (professora da University of Delaware e autora de “Sustainable fashion: why now? – A conversation”).
De acordo com Lee (2009), a moda ecológica entra em evidência, no contexto mundial, em 2004/05, período também em que se dá a primeira edição do Ethical Fashion Show, feira paralela a Paris Fashion Week.
Em 2006, a London Fashion Week, uma das mais importantes feiras de comércio de moda no mundo, inaugurou um espaço ético em seus desfiles, a Esthetica. No mesmo ano, houve a primeira exibição Autre Monde, Autre Mode (posteriormente rebatizada de So Ethic) na feira prêt-à-porter de Paris.
No ano de 2007, o 10º Berlin Premium Show, abriu um espaço, a “Área Verde”, para coleções e marcas éticas e ecológicas. Já em Milão, o White, desfile de prêt-à-porter feminino, lançou o Slow White, plataforma para mostrar têxteis e marcas ecológicas sustentáveis.
No contexto nacional, a moda sustentável foi de fato uma moda, com significado de produtos e modos que expressam um comportamento do momento, no período de 2007. Neste ano, durante a São Paulo Fashion Week, ocorreu uma exposição de doze vestidos confeccionados com tecidos do e-fabrics[5], a qual foi idealizada por Oskar Metsavaht, diretor da Osklen. No entanto, esta foi uma iniciativa isolada, não tendo se repetido nos anos seguintes, isto é, nas edições posteriores do mesmo evento. Até agosto de 2011, ocasião da primeira edição do Paraty Eco Fashion não constava, no Brasil, nenhuma feira exclusiva de moda ética ou sustentável. Por outro lado, é crescente o número de empresas nacionais que utilizam matéria-prima ecologicamente correta no desenvolvimento de suas coleções, caso da própria Osklen.
Atualmente, a sustentabilidade, bem como a ética, é considerada como um direcionamento de algumas empresas de moda, logo, um caminho buscado pelo próprio setor para atender às demandas de consumidores cada vez mais informados sobre questões ambientais.
2 Justificativa
Sabe-se que o setor de moda brasileiro é a maior fonte de empregos para a mão-de-obra feminina e a segunda maior fonte de divisas para o país, tendo mais de 19.400 empresas registradas, fabricando 4,1 milhões de peças por ano e faturando mais de 18 bilhões de dólares por ano (Abravest, Iemi, Sebrae in Rech, 2002).
Um estudo que vale mencionar é o Relatório de Consumo Ético do Co-op Bank, o qual funciona como barômetro dos gastos éticos na Inglaterra. Seu relatório de 2006 mostrou que, em 2005, o consumo ético inglês rendeu 29,3 bilhões de libras (Lee, 2009). Os gastos em roupas éticas cresceram 26% entre 2004 e 2005 – uma taxa muito superior do mercado geral de venda de roupa – passando de 23 milhões de libras para 29 milhões.
Considerando-se o significativo setor de moda brasileiro e a trajetória do mercado de moda inglês – o qual constitui um dos mercados consumidores de moda mais exigentes e amadurecidos do mundo, devido a fatores como a primeira revolução industrial e suas implicações no desenvolvimento têxtil inglês –, infere-se que o consumo de produtos de moda ética no Brasil tende a aumentar consideravelmente nos próximos anos.
Dado que não foram identificadas diretrizes específicas para o desenvolvimento de produtos de moda ética, este trabalho vale-se de da identificação e análise de diretrizes genéricas utilizadas, tanto implícitas quanto explícitas.
A necessidade de diretrizes aplicadas ao desenvolvimento de produtos de moda ética no Brasil justifica-se também pelos resultados de pesquisas realizadas (Abravest, Iemi, Sebrae in Rech, 2002), que apontam o setor de confecção de produtos de moda ainda carente de qualificação.
Tais pesquisas indicam que 87% são empresas de micro e pequeno porte; 60% desconhecem normas técnicas; 73,3% nunca utilizaram sistemas CAD; 53,3% dos responsáveis pelo desenvolvimento de produto são sócios ou família; em relação à definição da metodologia de desenvolvimento de produto, 33,3% afirmam que sim, possuem uma metodologia, já 33,3% que não possuem, enquanto que 26,7% dizem que a mesma encontra-se em elaboração e 6,7% não responderam.
Contudo, verifica-se não somente a necessidade de um direcionamento sustentável para os produtos de moda, mas de um direcionamento mais amplo, isto é, uma metodologia projetual que permita um maior incremento, profissionalização e desenvolvimento do setor. Entretanto, compreende-se que a aplicação dessa metodologia para desenvolvimento de produtos de moda sustentável depende de um profissional com habilidades e competências de gestão do design, passando a ser este o responsável pelo desenvolvimento de produto – e não apenas sócios ou família sem, necessariamente, formação específica em design, moda e/ou estilismo.
Em síntese, as diretrizes de sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda ética configuram-se como uma fundamentação, ou seja, as bases para o estudo e desenvolvimento posterior de uma metodologia apropriada e específica.
3 Objetivos
O objetivo geral consiste em indicar estratégias para valorizar produtos de moda, consoante a perspectiva da ética e estética da sustentabilidade. São objetivos específicos: destacar e relacionar conceitos, mercado, consumo e comportamento; identificar diretrizes de sustentabilidade e moda; delinear possibilidades de estratégia em função dos resultados do trabalho todo.
4 Materiais e método
O método para este trabalho pauta-se em levantamento de dados. A etapa de base teórica considera a bibliografia em design de produto, moda, engenharia de produção e sustentabilidade. Já a etapa exploratória consiste em estudos descritivos e na identificação de aspectos específicos e abrangentes do tema. Quanto à etapa experimental, são focados os estudos críticos, nas especificações e correlações dos assuntos levantados, evidenciando-se a relevância da estética da sustentabilidade. Por fim, os aspectos conclusivos buscam delimitar os conceitos de moda ecológica, moda sustentável e moda ética na atual conjuntura do setor de moda brasileiro e destacam a necessidade de uma metodologia de desenvolvimento de produtos de moda ética.
5 Discussão dos resultados
Contexto histórico da moda ética
Segundo Chataignier (2006), datam de cerca de 10.000 a.C. as primeiras fibras têxteis, a exemplo do linho, usado pelos habitantes primitivos das regiões lacustres da Mesopotâmia e do Egito. A lã teria surgido há aproximadamente 7.000 a.C. na Mesopotâmia, o algodão há cerca de 3.000 a.C. no Paquistão e na Índia e a seda por volta de 2.700 a.C. na China.
Também são consideradas fibras muito antigas: o cânhamo (do latim cannabis, originou o tecido canevas ou canvas), o junco, a juta, o sisal, a pita, o rami, a ráfia e até o papirus.
Todas as fibras supracitadas são consideradas naturais, sejam de origem vegetal ou animal (caso da seda e da lã). Atualmente, a indústria têxtil oferece diversos tecidos considerados naturais, feitos a partir da fibra de bambu, de algodão orgânico, da polpa da madeira (ex. tencel e lyocell), etc., além de tecidos com matéria-prima reciclada, como PET e refugos da própria indústria (ex. linhas e fios). No âmbito das confecções e tecelagens, pode-se observar a reciclagem das ourelas[6] dos tecidos, constituindo novos tecidos, com ricas texturas.
As primeiras roupas recicladas datam dos anos 40, período marcado pela Segunda Guerra Mundial, em que as pessoas tinham uma caderneta que acompanhava o número de metros de consumo têxtil anual. Nesse momento de crise, era proibido gastar mais do que quatro metros para o mantô e um metro para a camisa (as grávidas ficavam liberadas dessa determinação). Os cintos de couro não podiam ter mais de quatro centímetros de largura. As roupas eram recicladas, e os sintéticos se popularizaram, como, por exemplo, a viscose, extraída da celulose (Palomino, 2003).
Nas últimas quatro décadas, pode-se observar uma aproximação do design com a ética, desenvolvendo-se, a partir de então, três enfoques: o design verde, o ecodesign e o design para sustentabilidade.
No final dos anos 60, nota-se o movimento hippie, cujo um dos ideários era a comunhão com a natureza. No âmbito da moda, o estilo hippie, relacionado à estética do design verde, fornece as bases dos beneficiamentos, acabamentos e recursos estilísticos, que uma peça de vestuário sustentável pode ter, como patchwork (reuso e costura de retalhos), tingimentos com corantes naturais (ex. urucum, açafrão), técnicas de tingimento consideradas limpas (ex. batik, tie-dye), materiais naturais (ex. fibra de algodão, couro), bordados (ex. de alinhavo; com sementes) e customização (agrega valor de estima, aumentando o ciclo de uso do produto).
Nos anos 70, o design verde propõe uma recentralização do design no homem, focando no produto e nos processos industriais e sem deixar de fazer uma reflexão sobre o consumo (Castro; Carraro, 2008). Nota-se que os anos 70 são marcados por produtos verdes, que não agridem o meio ambiente, e por consumidores mais “conscientes” de suas reais necessidades.
Dando continuidade a essas idéias, surge, “desde a segunda metade dos anos 90” (Vezzoli, 2010) o termo ecodesign, que é o conceito de ciclo de vida do produto, ou Life Cycle Design (Mamzini; Vezzoli, 2005). Da ideia de eco-produtos passa-se, então, para a de eco-gerência de produtos (Castro; Carraro, 2008).
Conceito posterior ao do ecodesign, o “design para a sustentabilidade” é caracterizado por: ampliar o conceito de sustentabilidade, questionar da função do produto, possibilitar influenciar os padrões de consumo exigentes e destacar a responsabilidade do consumidor (Castro; Carraro, 2008). De acordo com Vezzoli (2010), o design para a sustentabilidade, tido como uma área de conhecimento, ampliou seu escopo e atuação: “do design para o ciclo de vida (ou ecodesign) para o design de sistemas ecoeficientes (que envolve tanto o produto quanto o serviço) e para o design para a coesão e a igualdade social”.
A FIG. 1 apresenta uma linha do tempo com os comportamentos e conceitos previamente descritos, os quais forneceram as bases para os conceitos de moda relacionados à sustentabilidade. A linha proposta não representa, necessariamente, uma evolução cronológica, nem define precisamente que existam limites entre uma dimensão e outra, mas deve ser entendida como um processo de ampliação dos limites do design.
Figura 1 – Linha do tempo referente a comportamentos e conceitos que fundamentam a moda ética
Atualmente, a indústria da moda apresenta os três enfoques, design verde, ecodesign e design para a sustentabilidade. Esse tipo de moda, visando mudanças consistentes de consumo ou apenas correspondendo superficialmente com a estética ecológica, é chamado de moda ecológica, moda sustentável e moda ética, respectivamente. A FIG. 2 propõe uma possível correspondência entre os diferentes enfoques de design e moda voltados para aspectos da sustentabilidade.
Figura 2 – Correspondência de conceitos entre Design e Moda quanto à sustentabilidade
Ressalta-se que o termo “moda ecológica” geralmente remete, na indústria e mídia de moda, ao conceito de produto verde ou ecologicamente correto, isto é, que não agride a natureza, não sendo considerado o significado do termo homônimo proposto por Freyre (2009), que, por sua vez, aproxima-se, na dimensão sociocultural, do conceito de “moda ética”.
Para Freyre, a moda ecológica brasileira refere-se à relação da sociedade com seu meio natural, isto é, como os modos e as modas dos brasileiros se relacionam com a sua respectiva ecologia tropical. Tal relação deve ser ética, visto que há:
necessidade de orientação antropológica para indústrias brasileiras de calçados e de roupas feitas. É que as predominâncias, além de formas de corpo, de preferências de cor, de brasileiros e de brasileiras, precisavam – e continuam a precisar – ser consideradas, nesses fabricados, sob pena de resultarem seus produtos inadequados a essas predominâncias. Não só nacionalismo. Também ecologia (Freyre, 2009: 234).
Esta orientação antropológica para o setor de moda pode ser considerada como um ethos[7] industrial, isto é, as diretrizes/orientações que caracterizam um determinado segmento industrial.
Estratégias da ética da sustentabilidade
Baseando-se em alguns autores, como Fletcher (2008 e 2010), Vezzoli (2005, 2008 e 2010), Manzini (2005), Freyre (2009), Slack et al (1997) e Quelhas; Alledi e Meiriño (2008), pode-se identificar as seguintes diretrizes genéricas e aplicáveis à moda ética: prática do comércio justo, desenvolvimento social, uso de matéria-prima ecologicamente correta, valorização da identidade cultural local, processo produtivo limpo, slow fashion, serviços que aumentam o ciclo de vida do produto, projeção de um estilo de vida sustentável, produtos de extrema qualidade e transparência.
Tais diretrizes configuram uma nova estética do design, determinadas pela ética da sustentabilidade, sendo a ética entendida como um conjunto de normas morais aceitas pela sociedade. Elas têm por finalidade contribuir para as áreas de conhecimento do Design de Produto e Design de Moda, fornecendo um direcionamento para os projetos de produtos de moda e, por conseguinte, para o setor de moda brasileiro.
Considerando as diretrizes de sustentabilidade e ética propostas neste trabalho, foram delineadas possibilidades de estratégia[8] de acordo com cada diretriz.
- Uso de matéria-prima ecologicamente correta. É uma prática proposta pelo conceito de design verde e comum no setor de têxtil e moda brasileiro, que crescentemente têm apresentado novas matérias-primas e produtos ecológicos. Sabe-se que, em geral, a matéria-prima ecologicamente correta pode custar duas vezes o valor de uma matéria-prima comum e que perceber o valor de um produto ecológico, e também adquiri-lo, depende do grau de informação desse consumidor, bem como de seu poder de consumo. Assim, o cenário brasileiro indica que não é uma estratégia que apresenta muita competitividade, pois o valor de um produto de moda ecológica ainda é pouco percebido pela maioria dos consumidores brasileiros.
- Processo produtivo limpo. Implica na otimização do processo produtivo, de modo a diminuir o impacto ambiental, bem como os custos de produção de produtos. Refere-se à prática proposta pelo conceito de ecodesign, em que se considera todo o ciclo de vida do produto, de sua projeção ao seu último uso, retornando ao mesmo ciclo, ao final de sua vida. Há diversas ferramentas, conceitos e normas[9] para a gestão ambiental da produção, que tornam essa estratégia viável economicamente, apesar de poder ser um tanto onerosa para boa parte do setor de moda brasileiro, constituído 87% por empresas de micro e pequeno porte[10].
- Prática do comércio justo. Ao se respeitar as normas do setor, com diálogo e transparência, sem praticar concorrência desleal, a organização pode posicionar-se como empresa atrativa para se trabalhar, captando talentos, como também para se estabelecer as mais diversas parcerias com outras organizações, como as de fornecimento.
- Desenvolvimento social. Organizações que promovem e asseguram o desenvolvimento social, ainda que com ações não frequentes, têm recebido bastante atenção por parte da mídia de moda, o que faz dessa diretriz uma das mais interessantes do ponto de vista comunicacional, muitas vezes gerando mídia espontânea. Além disso, o desenvolvimento social, no âmbito interno da organização, promove melhores condições de trabalho, satisfazendo os trabalhadores e, com isso, podendo aumentar a produtividade.
- Relacionamento honesto e seguro com fornecedores, funcionários e consumidores. É uma maneira de estabelecer relações harmoniosas, diminuindo os ruídos de comunicação, bem como estabelecendo contratos legais, de modo a assegurar os direitos de todas as partes. Em relação ao produto de moda, a segurança se dá quanto à usabilidade, se o produto é bem cerzido e não há risco de descosturar, se comprimentos e caimentos proporcionam segurança ao andar, se aviamentos, zíperes e botões não machucam, se etiquetas não causam alergia, etc. Quanto à honestidade, ela pode ser compreendida como a exata correspondência dos valores comunicados, seja por meio de publicidade ou do próprio produto, com todas as características do produto, como cores, beneficiamentos, tamanhos, modelagens, composição dos tecidos, etc.
- Transparência. Diferencia-se da diretriz anterior por significar a comunicação de informações socioambientais dos produtos. No produto de moda, essas informações são transmitidas por meio de tags, etiquetas de composição e etiquetas e embalagens em geral. A transparência é uma estratégia na medida em que, ao comunicar os valores de sustentabilidade do produto, ele não só torna tais valores perceptíveis, mas diferencia o produto, posicionando-o no mercado de produtos sustentáveis, ecológicos e éticos, e, por fim, tem o papel de educar/conscientizar o consumidor para um novo comportamento de consumo.
- Respeito à propriedade intelectual. Sabe-se que no mercado de moda, a cópia é um procedimento comum e estimulado, seja pela própria classe dos estilistas, por parte da oferta dos fornecedores e/ou por demandas do mercado. Assim, o registro das criações é uma forma de se resguardar da cópia e, por conseguinte, estimular a criação nas organizações. Configurar uma identidade[11] própria de uma marca e/ou um conjunto de produtos dessa marca é uma estratégia para diferenciar-se no setor de moda.
- Desenvolvimento de comunidades locais. Estratégia de cunho econômico, que visa a incentivar a geração de renda das comunidades locais, que sejam de alguma maneira desfavorecidas. Busca preservar a sabedoria, a tecnologia social e as práticas locais, promovendo o know-how das comunidades ao associá-lo ao setor de moda.
- Valorização da identidade cultural local. Relacionada ao âmbito do projeto, a valorização de identidades culturais é uma estratégia para agregar valor também ao produto. Ao expressar o ethos local em configurações e características de produtos, busca-se comunicar a origem do produto, relacioná-lo a uma história e cultura específicas, diferenciando-os no segmento em que estão posicionados.
- Serviços que aumentam o ciclo de vida e ciclo de uso do produto. São exemplos de serviços de moda que enfocam a sustentabilidade, por estender a vida útil e o uso dos produtos: tingimento, lavanderia, costura, customização, renovação de couro, aluguel de roupas, sistemas de trocas de roupas (ex. alguns bazares e brechós), etc. Em geral, as empresas de produtos de moda no Brasil não oferecem serviços de moda juntamente ao produto, configurando um sistema de moda. Oferecer serviços juntamente ao produto é uma oportunidade de mercado, logo, uma estratégia de posicionamento de produtos de moda.
- Produtos de extrema qualidade. Nessa diretriz, qualidade é compreendida como a excelência dos produtos de moda, isto é, produtos bem cortados, bem modelados, bem cerzidos, com bons tecidos, sobretudo, bem desenvolvidos. Produtos excelentes tendem a durar mais, logo, a ter maior ciclo de vida e de uso. A qualidade é uma estratégia para tornar o produto mais competitivo e também mais sustentável, pois se considera que um produto de extrema qualidade tenda a ser descartado com menor frequência que o de pouca qualidade.
- Slow fashion. Essa é uma diretriz complexa e de ampla discussão. Ela pressupõe que produtos devem ser projetados considerando um estilo atemporal ou bastante duradouro e desconsiderando a sazonalidade da moda, isto é, não inserindo a organização no mercado conforme o calendário atualmente vigente do atacado e do varejo, que é determinado pelas estações e possui datas precisas de lançamento de coleções. Não se pode afirmar, ainda, que o slow fashion seja uma estratégia, pois não é possível averiguar sua sustentabilidade econômica no nível dos produtos. Já em relação aos serviços de moda ética, o slow talvez seja uma das principais diretrizes e estratégias, verificando-se serviços de compartilhamento, aluguel, troca e venda de roupas, assim como de serviços que aumentam o ciclo de vida e de uso do produto.
- Expressão das oito funções da moda[12] para projetar um estilo de vida sustentável. Com o objetivo de aumentar a coesão e pregnância[13] de um produto de moda, é estratégico que o mesmo apresente o máximo de funções possíveis, de modo a captar a atenção do consumidor. Em um mercado de moda, caracterizado por estilos e tendências plurais, mas também por produtos fortemente homogeneizados, a soma do máximo de funções da moda, com enfoque em transmitir valores relacionados à sustentabilidade, favorece a percepção do produto, distinguindo-o, bem como agregando valor ao comunicar coerentemente a sustentabilidade do mesmo.
6 Considerações finais
Este trabalho buscou delimitar o conceito de moda ética e quais as diretrizes de sustentabilidade necessárias para o desenvolvimento de produtos éticos para o setor de moda. Essas diretrizes têm por finalidade contribuir para o direcionamento sustentável que o setor de moda tem buscado, a fim de atender a novos comportamentos de consumo da sociedade.
As diretrizes de sustentabilidade para o desenvolvimento de produtos de moda ética configuram-se como uma fundamentação, ou seja, as bases para o estudo e desenvolvimento posterior de uma metodologia apropriada e específica, adequada à realidade da moda brasileira.
Compreende-se que o setor de moda no Brasil apresenta principalmente a abordagem do design verde, característico dos anos 1970, em que as matérias-primas são ecológicas e identifica-se um comportamento de consumo mais responsável. Ou seja, predomina a visão da moda ecológica, como também a comunicação de ações de sustentabilidade que não são necessariamente estruturais, intrínsecas e constantes na organização. Dessa forma, a moda ética é vista como um direcionamento para o desenvolvimento do setor.
Em consequência de tais considerações, afirma-se que, na estrutura de uma empresa de moda, é possível inserir as treze diretrizes de sustentabilidade, considerando a realidade da empresa, o perfil do empresário, a estrutura gerencial e o compromisso com o produto final nas instâncias do projeto, da produção e da relação com o usuário e a sociedade e o meio ambiente.
Em suma, projetar produtos de moda, cuja estética condiz com a ética da sustentabilidade, é uma oportunidade para o Design de Produto, assim como para o Design de Moda a fim de diferenciar produtos e agregar valor aos mesmos. Além disso, foi visto que a ética é uma estratégia de desenvolvimento e produção de produtos, contribuindo para o bem da organização como um todo, dos seres humanos e do meio ambiente.
7 Referências
Black, S. 2008. Eco-chic – The fashion paradox. Black Dog USA.
Castro, M. L.; Carraro, C. L. O resgate da ética no design: a evolução da visão sustentável. In: 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.modavestuario.com/71oresgatedaeticanodesignaevoluCaodavisaosutentavel.pdf>, 08/06/2010.
Chataignier, G. 2006. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das Letras Editora.
Cobra, M. Marketing & moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo; Cobra Editora e marketing, 2007.
Duarte, L. S. 2010. A ética como estratégia no desenvolvimento de produtos no setor de moda. Cadernos de Resumos 12º Seminário de Iniciação Científica e Extensão UEMG, Frutal/MG, v. 1, novembro.
Fletcher, K. 2008. Sustainable fashion and textiles: design journeys. London: Stylus Public.
Fletcher, K. Slow fashion. Disponível em: <http://fashioninganethicalindustry.org/!file/SlowFashion.pdf/>, 12/10/2010.
____________. Slow fashion. Disponível em: <http://www.slowfashion.org/> 12/11/2010.
Freyre, G. 2009. Modos de homem & modas de mulher. São Paulo: Global.
Hethorn, J. 2008. Sustainable fashion – Why now? – A conversation. London: A&C Black.
Jones, S. J. 2005. Fashion design – manual do estilista. São Paulo: Cosac Naify.
Lee, M. 2009. Eco chic: o guia de moda ética para a consumidora consciente. São Paulo: Larousse do Brasil.
Lopovetsky, G., Roux, E. 2005. O novo luxo: da idade do sagrado ao tempo das marcas. Paulo: Companhia das Letras.
Manzini, E.; Vezzoli, C. 2005. O desenvolvimento de produtos sustentáveis. São Paulo: EdUSP.
Martins, S. B. ; Castro, M. D. 2007. Moda sustentável: trajetória da criação, produção e comercialização. In: I Simpósio Brasileiro de Design Sustentável. Curitiba.
Morales, M. U. D. 2006. Design de moda: o caminho para a sustentabilidade. 2006. 106 p. (Dissertação de Mestrado em Desenho Industrial) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Educação, Universidade Estadual Paulista, Bauru.
Palomino, E. 2003. A moda. São Paulo: Publifolha.
Pereira, M. P.; Duarte, L. S.; Pasco, M. R. 2010. As limitações das fôrmas de salto alto e o uso de órteses: uma abordagem da ergonomia. In: Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación, Universidad de Palermo.
Quelhas, O. L. G., Alledi, C., Meiriño, M. J. 2008. Responsabilidade social, ética e sustentabilidade na engenharia de produção. In: Batalha, M. O. (org.). Introdução à engenharia de produção. Rio de Janeiro: Elsevier.
Rech, S. R. 2002. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis: UDESC.
Schulte, N. K.; Puls, L.; Rosa, L. 2009. Ética biocêntrica para a sustentabilidade ambiental e o design de moda. In: Anais do 2° Simpósio Brasileiro de Design Sustentável. São Paulo.
Schulte, N. K.; Lopes, L. D. Sustentabilidade ambiental: um desafio para a moda. In: Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación, Universidad de Palermo, 2007. Disponível em: <http://fido.palermo.edu/servicios_dyc/encuentro2007/02_auspicios_publicaciones/actas_diseno/articulos_pdf/A6007.pdf>, 07/11/ 2010.
Slack, N. et al. 1997. Administração da produção. São Paulo: Atlas.
Vezzoli, C. 2008. Cenário do design para uma moda sustentável. In: Pires, D. B. (org.). Design de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores Editora.
Vezzoli, C. 2010. Design de sistemas para a sustentabilidade. Salvador: EDUFBA.
Notas de rodapé
[1] Schulte, N. K.; Puls, L.; Rosa, L. 2009. Ética biocêntrica para a sustentabilidade ambiental e o design de moda. In: Anais do 2° Simpósio Brasileiro de Design Sustentável. São Paulo.
Schulte, N. K.; Lopes, L. D. Sustentabilidade ambiental: um desafio para a moda. In: Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación, Universidad de Palermo, 2007. Disponível em: < http://fido.palermo.edu/servicios_dyc/encuentro2007/02_auspicios_publicaciones/actas_diseno/articulos_pdf/A6007.pdf> , 07/11/2010.
[2] Martins, S. B. ; Castro, M. D. 2007. Moda sustentável: trajetória da criação, produção e comercialização. In: I Simpósio Brasileiro de Design Sustentável. Curitiba.
[3] Morales, M. U. D. 2006. Design de moda: o caminho para a sustentabilidade. 2006. 106 p. (Dissertação de Mestrado em Desenho Industrial) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Educação, Universidade Estadual Paulista, Bauru.
[4] Pereira, M. P.; Duarte, L. S.; Pasco, M. R. 2010. As limitações das fôrmas de salto alto e o uso de órteses: uma abordagem da ergonomia. In: Actas de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación, Universidad de Palermo.
Duarte, L. S. 2010. A ética como estratégia no desenvolvimento de produtos no setor de moda. Cadernos de Resumos 12º Seminário de Iniciação Científica e Extensão UEMG, Frutal/MG, v. 1, novembro.
[5] Projeto e label (marca) de identificação de matéria-prima ecologicamente correta concebidos pelo Instituto e, “faz a interlocução entre produtores de materiais ecológicos e estilistas e suas grifes, apresentando-lhes matérias-primas de caráter renovável a serem utilizadas pela cadeia produtiva da moda em geral” (E-FABRICS, 2010).
[6] Cada uma das tiras urdidas na borda de uma peça de fazenda; orla, cercadura. Parte do tecido que é presa às máquinas têxteis, apresentando pequenos furos e desfiados, tornando-se, portanto, refugo nas confecções.
[7] Característica comum a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade. Espírito e crenças característicos que diferenciam comunidades, instituições, pessoas e obras umas das outras.
[8] As estratégias podem ser estruturais, influenciando o projeto, e/ou infra-estruturais, quando influenciam o planejamento, o controle e a melhoria da produção (Slack et al, 1997).
[9] Alguns exemplos: Análise do Ciclo de Vida, ISO 14001, Norma NBR ISO 14001, Programa de Atuação Responsável (Responsible Care Program), Norma Britânica BS 7750, conceitos de Responsabilidade Estendida do Produto (EPR) e Logística Reversa.
[10] Dado apresentado na introdução deste trabalho.
[11] “A identidade é o caráter do que é uno, do que permanece idêntico a si próprio” (Lipovetsky, Roux, 2005).
[12] De acordo com Jones (2005), a moda tem as funções de: utilidade, decência, indecência (atração sexual), ornamentação, diferenciação simbólica, filiação social, auto-aprimoramento psicológico e modernismo.
[13] Considerada um dos sete fundamentos básicos da Gestalt, teoria da psicologia das formas, a pregnância é a estabilidade de uma percepção, é a qualidade ou virtude do que produz forte impressão no espírito. A saber, os outros fundamentos da Gestalt são: continuidade, segregação, semelhança, unidade, proximidade e fechamento.