LIVRO: O povo brasileiro, por Darcy Ribeiro
Obra do antropólogo trata das matrizes culturais e os mecanismos de formação do nosso povo
Reza a lenda que Darcy Ribeiro, já internado e a beira da morte, fugiu do hospital para concentrar suas energias na escrita deste que foi seu último livro, “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”. Seu lançamento foi em 1995, dois anos antes do autor falecer.
Considerado um dos maiores antropólogos brasileiros, o mineiro de Montes Claros estudou Medicina antes de se dedicar às Ciências Sociais. O resto é história. Foi criador e reitor da Universidade de Brasília; membro da Academia Brasileira de Letras; criador de tantos projetos, como do Memorial da América Latina, da Lei de Diretrizes e Bases (que rege nossa Educação), e do Parque Nacional do Xingu.
No seu livro sobre o povo brasileiro, Darcy relata que há cinco “brasis”:
- Brasil sertanejo;
- Brasil crioulo;
- Brasil caboclo;
- Brasil caipira;
- Brasil sulino.
Você sabe a qual Brasil você pertence?
Vou dar uma dica:
Faça DOWNLOAD gratuito do livro O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, PDF
Vá até a página 274 e leia.
Isso, leia um livro – ou pelo menos uma parte de um livro! 🙂
A seguir, apresento alguns trechos que transcrevi da edição:
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo, Cia da Letras, 2006, 437 p.
p. 278
Mais da metade da população original de caboclos da Amazônia já foi desalojada de seus assentos, jogada nas cidades de Belém e Manaus. Perde-se, assim, toda a sabedoria adaptativa milenar que essa população havia aprendido dos índios para viver na floresta.
Os novos povoadores tudo ignoram; veem a floresta como obstáculo. Seu propósito é tombá-la para convertê-la em pastagens ou em grandes plantios comerciais. A eficácia desse modo de ocupação é todo duvidosa, mas sua capacidade de impor-se é inelutável, mesmo porque conta com as graças do governo.
p. 279
(…) floresceram culturas indígenas de mais alto nível tecnológico, como as de Marajó e Tapajós.
Sociedades de nível tribal, classificáveis como aldeias agrícolas indiferenciadas, porque não chegaram a desenvolver núcleos urbanos
p. 280
[sobre] contingentes populacionais da Amazônia, todos engolfados na mais vil penúria.
(…) a característica básica dessa variante é o primitivismo de sua tecnologia adaptativa, essencialmente indígena, conservada e transmitida, através de séculos, sem alterações substanciais.
O correspondente amazônico do engenho açucareiro, da grande lavoura comercial ou da fazenda de criação de gado das áreas pastoris é uma empresa extrativista florestal, incipientemente capitalista: o seringal.
Monopólio da produção mundial da borracha
Com o surgimento dos seringais cultivados no Oriente e da borracha sintética, a exploração da borracha nativa tornou-se economicamente inviável.
p. 283
A organização dos aldeamentos-reduções expandiu-se por todo o vale, que se fazia brasileiro à medida que recrutava a massa de trabalhadores indígenas indispensável para ampliar a produção de drogas da mata, que Portugal negociava em toda a Europa. Tais eram o cacau, ainda selvagem, o cravo, a canela, o urucu e a baunilha, além do açafrão, da salsaparrilha, da quina, do puxuri e grande número de sementes, cascas, tubérculos, óleos e resinas.
Os aldeamentos missionários, sobretudo jesuíticos, concentrando grande número de índios, exerceram uma ação aculturativa intensa, que permitiu difundir algumas técnicas artesanais, como a tecelagem e a edificação com pedra e cal; novas espécies de cultivo, como o arroz, a cana-de-açúcar e o anil; introduzir a criação de animais domésticos, como o porco e a galinha e, em certas áreas, iniciar a criação de gado maior.
Inadequação das novas técnicas a um meio ecológico tão diferente do europeu.
p. 285
A Coroa portuguesa esforçou-se por estabilizar a sociedade nascente, estimulando o cultivo de algumas plantas indígenas, como o tabaco, o cacau e o algodão.
p. 286
(…) transladadas aos novos núcleos, a adaptação indígena apenas permitia não morrer de fome
Uma e outra se opunham tipologicamente como sociedades tribais autônomas de economia comunitária e como núcleos locais de uma sociedade estratificada, voltada para a produção mercantil e gerida por interesses exógenos.
p. 288
Ao longo de cinco séculos surgiu e se multiplicou uma vasta população de gentes destribalizadas, deculturadas e mestiçadas que é o fruto e a vítima principal da invasão europeia.
p. 289
No curso de um processo de transfiguração étnica, eles se converteram em índios genéricos, sem língua nem cultura próprias, e sem identidade cultural específica. A eles se juntaram, mais tarde, grandes massas de mestiços, gerados por brancos em mulheres indígenas, que também não sendo índios nem chegando a serem europeus, e falando tupi, se dissolveram na condição de caboclos.
O processo histórico gerara na Amazônia três classes de gente (…) índio tribal, (…) população urbanizada, muito heterogênea, (…), índios genéricos.
p. 292
(…) só no último quartel do século XIX, a região amazônica volta a experimentar uma quadra de prosperidade, motivada agora pela crescente valorização nos mercados mundiais de um dos seus produtos tradicionais de coleta: a borracha.
A população (…) dispersa-se pelo vale inteiro (…) à procura da concentração das seringueiras nativas e das outras plantas gomíferas da floresta. As cidades crescem, enriquecem e se transformam
p. 293
(…) cerca de meio milhão de nordestinos à Amazônia. Desembarcados nos dois portos, Belém e Manaus, os sertanejos eram repartidos entre os patrões que já estavam à sua espera.
Cada trabalhador ingressava no serviço com sua feira e seu débito, que aumentaria cada vez mais com os suprimentos de alimentação, de remédios, de roupas providas pelo barracão. Dificilmente um seringueiro consegue saldar essa conta (…) o mantém em regime de servidão (…) resistir às terríveis condições de vida a que é submetido.
A borracha, como todos os produtos nativos da floresta tropical, se distribui irregularmente e com baixa concentração em meio a uma infinidade de outras espécies.
Os seringais cobrem enormes extensões, impedindo que a população se organizem núcleos consideráveis.
p. 294
(…) a criação de um sistema de comunicações baseado exclusivamente na navegação fluvial, por meio de canoas e balsas.
Assim é que o seringal se implanta como uma empresa desvinculada da terra. Seu elemento é o rio, no qual o homem não se fixa como povoador, mas apenas se instala como explorador até o esgotamento dos seringais.
Cada seringueiro assim instruído recebe sua estrada, que é o caminho de árvore à árvore.
p. 295
(…) o conflito entre índio e seringueiro é geralmente tão agudo que mata quem vê primeiro.
p. 296
(…) a prosperidade da economia extrativista interrompeu-se, porém, abruptamente com a Primeira Guerra Mundial. Não se refaria jamais, por causa da entrada no comércio mundial, logo depois do conflito.
Muitos seringais foram abandonados por patrões levados à falência, sendo toda a gente aliciada entregue à sua própria sorte nos ermos da floresta.
p. 302
(…) a decadência da economia da borracha matou também as cidades que floresciam pela Amazônia inteira, provocando o completo abandono de algumas e a deterioração das outras.
Condições de vida tão precárias que seus índices de mortalidade geral e infantil, de morbidade e subnutrição vêm a ser mais graves eu os mais baixos do mundo.
p. 304
A Amazônia é, de fato, o maior desafio que o Brasil já enfrentou.
p. 305
As perspectivas de retomar velhos seringais e revitalizá-los para abrir melhores condições de vida aos trabalhadores da floresta resultaram em conflitos, como aquele mundialmente escandaloso que vitimou Chico Mendes. Entretanto, ele e seus companheiros foram os únicos que apontaram concretamente para como fazer a Amazônia habitável e rendosa, o que é perfeitamente possível desde que se encontrem formas de manter assentamentos humanos.
p. 317
Assim, na orla amazônica, uma frente humana se defronta com a mata virgem, sem capacidade de penetrá-la por falta de modelos socioempresariais e técnicas de fixação. Desenvolve-se aí a coleta de coco babaçu e de drogas da mata, abrindo-se pequenos roçados de subsistência.
p. 361
(…) orientar para os seringais da Amazônia o translado de sertanejos nordestinos, porque sua rota natural, que seria a marcha para o sul, se vê obstruída pela saturação por imigrantes europeus da busca de braços para a grande lavoura.