Hering: com jeans ecológico da Vicunha. E só.
O “green washing” do blue jeans é metade verdade, metade publicidade
De tempos em tempos, a Hering lança algumas peças ou coleção limitada de vestuário com “pegada ecológica”. Eu me lembro de duas regatas da Hering, de algodão orgânico, que comprei em 2009. Uma delas estava escrito com letras garrafais “Reduce, Reuse, Recycle”; já a outra tinha uma árvore verde, e era bem literal também sobre a mensagem ambientalista. Veio com uma sacolinha de algodão orgânico que, passados 10 anos, ainda tenho. A malha é boa, e ela foi pouco usada. Já as regatas de alcinha, amarelaram embaixo do braço e tomaram rumos de doação randômica. Circularam, mas não tenho a lembrança de para quem.
Pois, uma década depois (em julho/2019), comprei uma calça jeans da Hering, que a vendedora logo informou (para a consumidora certa) de se tratar de jeans ecológico.
Seria lindo o nosso encontro, o meu e o da calça, se eu não tivesse feito um mestrado sobre jeans ecológico, lá entre 2011 e 2013, na Engenharia de Produção da UFMG.
DUARTE, Luciana dos Santos. Estudo comparativo do impacto ambiental do jeans CO/PET convencional e de jeans reciclado. Dissertação de mestrado em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013, 101 p.
E aí a gente acaba analisando o produto com outros olhos. Vamos lá:
- “Modismo do sustentável”. Quando um dos maiores varejistas de moda brasileiros, a Hering, se posiciona com uma oferta de moda ecológica de tempos em tempos, ela posiciona sua oferta para uma demanda do mercado, e não para um nicho de mercado. Explico: não é que ela reconheça e queira atender consumidores mais conscientes (um nicho de mercado como qualquer outro, pequeno, porém em crescimento), mas sim que a empresa oferta moda sustentável quando convém, quando se identifica ser um modismo.
- Não se trata de moda sustentável, mas sim de moda ecológica. Afinal, não se menciona nada sobre aspectos sociais, culturais e territoriais (pra ficar com as cinco dimensões de sustentabilidade propostas por SACHS em 1991; as outras são a econômica e a ambiental, claro). A estratégia do material ser ecológico é algo que a vertente do Green Design vem fazendo desde a década de 1970. É a primeira coisa que uma empresa faz quando quer se posicionar como ecobrand ou para apenas atender uma demanda de consumo.
- A confecção se vale dos resultados ambientais do fornecedor. No caso, é a Vicunha que realizou o desenvolvimento do produto ecológico, e não a Hering. O que a Hering fez de sustentável ou de ecológico na confecção? Não sabemos.
- Lavagem do jeans não indica que a mesma seja ecológica. O que adianta o material ter menor impacto ambiental na produção (isto é, na indústria têxtil) se quando a calça jeans já pronta vai para a lavanderia, ela fica super desbotada, isto é, super lavada? É o caso da calça em questão. Mais abaixo, a imagem mostra a diferença do jeans original, para a tonalidade lavadíssima. Acabou gastando água no final do processo de produção da calça jeans…
- O algodão é BCI. Super controverso isso. Para o pessoal mais radical da moda sustentável, algodão com o selo da ONG Better Cotton Initiative não muda muita coisa, continua sendo o algodão convencional, exigindo muita irrigação (aliás, as plantações de algodão são as que mais gastam água no mundo, chegou a secar o Mar de Aral, por exemplo), e podendo ser geneticamente modificado. Resumidamente, o algodão BCI é visto como uma iniciativa para que as plantações de algodão continuem da forma como estão, mas agora com melhores condições de trabalho (não especificadas para o consumidor sobre como era antes e como é agora). A melhor opção, a opção mais ecológica, seria o algodão orgânico da agroecologia – e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um ótimo produtor. Mas aí a gente cai numa questão política, do grande capital versus um movimento agrário entendido como milícia pelos donos do poder, e isso dá um outro post. Se é pra me posicionar aqui, sou a favor do algodão orgânico de agroecologia do MST, claro. A opção BCI é – digamos assim – menos pior que a opção do algodão convencional.
+ Leitura: Técnicas de beneficiamento do jeans.
Pontos positivos da calça de jeans ecológico produzida pela Hering:
- Modelagem. Justa (não sei dizer se é slim ou se é skinny, pois em mim ela fica skninny) e com cintura alta, a calça tem uma modelagem que está de acordo com o ciclo loooongo de vida deste tipo de produto. Em outras palavras, pra gastar um termo que não sai de moda há dez anos, ela se enquadra no “slow fashion”, na moda “atemporal”, tem uma modelagem que tem sido super demandada pela mulher brasileira, e não tende a sair de moda tão cedo.
- Educação para o consumidor. Se a Hering não diferenciar o valor ambiental do produto na sua tag ou etiqueta, não tem como ninguém adivinhar se tratar de um denim ecológico. Então, neste ponto a empresa cumpre bem o dever de educar o consumidor, diferenciando e explicitando os valores do produto.
- Preço justo. Custou na faixa de R$100. Ou seja, “cai por terra” o senso comum de que “produto ecológico ou sustentável é mais caro que produto normal”. Para se ter uma ideia, o custo de produção de uma calça assim, básica, em uma confecção pequena, fica entre R$25 a R$50, incluindo a lavagem terceirizada.
Como o mercado não tem uma opção melhor, acabei comprando. De minha parte, como usuário, demoro uns dias para lavar na máquina – pois como a gente sabe, e a indústria adora externalizar essa responsabilidade para o consumidor, é na fase de uso (lavar e passar) que uma roupa geralmente tem o maior impacto ambiental de todo seu ciclo de vida.
Há outros pontos para se analisar nesta calça, mas pra esse post não ficar ainda mais longo e provocativo, paramos por aqui. Seguem as informações pela empresa:
Hering Special Jeans Denim Eco Edition
Inovação azul por um mundo mais verde
A linha Eco Edition é produzida com tecidos e processos que alinham Reciclagem, Reuso e Redução de impactos na natureza.
Conforto e excelente caimento, lavagens e aviamentos exclusivos junto a este tecido, proporcionam uma qualidade superior e uma visão sustentável.
Saiba mais:
- DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas; DE FARIA, Paulo Eustáquio. Estudo comparativo do impacto ambiental da produção têxtil de jeans CO/PET convencional e de jeans CO/PET reciclado. Anais do VIII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Uberlândia, 2014.
- Técnicas de beneficiamento do jeans
- DUARTE, Luciana dos Santos. Design de jeans para sustentabilidade: aplicação de ferramentas de redução de impacto ambiental para análise do jeans CO/PET reciclado. Revista IARA. SENAC, São Paulo, Vol. 17, n. 2, 2014.
- Hering
- DUARTE, Luciana dos Santos. Conforto e durabilidade de protótipos de calças de jeans CO/PET convencional e de jeans CO/PET reciclado. Anais do 11º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gramado, 2014.
- Vicunha
- Jeans: qual é a diferença entre calça slim e calça skinny?
- Associação Brasileira dos Produtores de Algodão: Better Cotton Initiative
- DUARTE, Luciana dos Santos. Estudo comparativo do impacto ambiental do jeans CO/PET convencional e de jeans reciclado. Dissertação de mestrado em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013, 101 p.