Compósitos de resíduos têxteis
Projeto de pesquisa no Departamento de Química da UFMG investigou alternativas para os retalhos, resíduos da cadeia de confecção e têxtil, além de resíduos automotivos
De 2011 a 2013, em paralelo ao meu mestrado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Minas Gerais, me dediquei a pesquisar alternativas para os resíduos têxteis.
Este problema industrial – o excedente de retalhos da indústria da moda e automotiva – sempre me instigou. Com o suporte do Laboratório de Química Inorgânica, do Departamento de Química da UFMG, pude desenvolver algumas alternativas de materiais. Sou muito grata ao meu mentor, prof. Geraldo Magela de Lima, de quem tenho muito orgulho, e aos meus colegas de então, Plínio César de Carvalho Pinto, e Cristiane de Andrade Moreira. Serão sempre lembrados com muito carinho.
O artigo a seguir mostra trata do projeto de pesquisa em si (e não tanto dos seus resultados) e foi apresentado e publicado no VII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica. Abaixo o link para download e citação conforme normas da ABNT:
DUARTE, Luciana dos Santos; MOREIRA, Cristina de Andrade; PINTO, Plínio César de Carvalho; LIMA, Geraldo Magela. Desenvolvimento de compósitos sustentáveis à base de resíduos têxteis. Anais do VII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica. Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2012.
DESENVOLVIMENTO DE COMPÓSITOS SUSTENTÁVEIS À BASE DE RESÍDUOS TÊXTEIS
Luciana dos Santos Duarte, lucianjung@gmail.com1
Cristiane de Andrade Moreira, cristianeandrade14@hotmail.com2
Plínio César de Carvalho Pinto, plinioccp@yahoo.com.br3
Geraldo Magela de Lima, delima.geraldo@gmail.com3
1Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627 – Campus Pampulha – Belo Horizonte – MG – CEP 31.270-901
2Departamento de Química, Campus I, CEFET-MG, Av. Amazonas, 5253, Nova Suíça, Belo Horizonte – MG – CEP 30.480-000
3Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627 – Campus Pampulha – Belo Horizonte – MG – CEP 31.270-901
Resumo: Sabe-se que um dos principais problemas do setor industrial são os refugos da produção. Atualmente, a indústria da moda, que é uma das maiores do mundo, faz amplo uso de fibras naturais e fibras sintéticas. Com o atual paradigma ambiental e de desenvolvimento de materiais, transformar um refugo da indústria em novo material é uma oportunidade de reciclagem. Dos novos materiais que vem surgindo, os compósitos são uma solução viável e área de conhecimento da Ciência e Engenharia de Materiais. Logo, o trabalho tem como objetivo geral obter compósitos a partir de resíduos têxteis e materiais sustentáveis ambientalmente, que implique em processo produtivo limpo e possa ter um amplo uso em setores diversos. O projeto encontra-se em desenvolvimento, seguindo quatro etapas. A primeira, de base teórica, se dá a revisão de bibliografia, cujo conteúdo teórico fornece suporte ao nivelamento das informações que contemplam os aspectos do tratamento químico e da fabricação de compósitos constituídos de resíduos têxteis. Na segunda etapa, exploratória, são desenvolvidos os testes e experimentos para a obtenção do material. A parte exploratória consiste na obtenção de um material multifásico, constituído de resíduos têxteis, agente infiltrante e agente de acoplamento, resultando em um compósito. Os resultados obtidos na etapa exploratória são, na etapa posterior, experimental,empregados em ensaios de produtos, para verificação de sua melhor aplicabilidade. Por fim, a etapa conclusiva sugere a aplicação do material em um produto de um determinado segmento industrial.
Palavras-chave: Compósitos de têxteis, sustentabilidade, química verde, engenharia de materiais, resíduos têxteis.
1.INTRODUÇÃO
Atualmente, é possível observar um cenário de complexidade, isto é, dinâmico, fluído, “repleto de códigos” e “difícil de ser compreendido”, como aponta De Moraes (2008, p. 17):
Ela se molda pela inter-relação, também recorrente, entre empresa, mercado, produto, consumo e cultura (que, por sua vez, age de forma interdependente no seu contexto ambiental). A complexidade tende a tensões contraditórias e imprevisíveis e, através de bruscas transformações, impõe contínuas adaptações e reorganização do sistema em nível de produção, da venda e do consumo nos moldes conhecidos.
Nesse contexto de incertezas e mutações, Manzini e Vezzoli (2005) traçam o cenário de uma sociedade sustentável, como possibilidade de um futuro possível. Esse cenário fundamenta-se na constatação da ação sinérgica entre a “emergência dos limites ambientais” e “os processos de globalização econômica e cultural”, relacionados à “difusão das tecnologias da informação e da comunicação”. Tal sinergia levaria a uma “descontinuidade sistêmica”, o que também caracteriza o atual cenário de complexidade. O problema é como “imaginar a transição para a sustentabilidade” (MANZINI; VEZZOLI, 2005).
Não se trata de transitar da complexidade para a sustentabilidade – desejável, porém utópico – mas de projetar condições sustentáveis dentro de um cenário de complexidade, afinal, de acordo com os mesmos autores, “a construção de um cenário é muito mais uma atividade de projeto do que uma atividade científica”. Há duas formas de se fazer isso, que Manzini e Vezzoli (2005) chamam de “cenário hiper-tecnológico” e “cenário hipercultural”.
O cenário hipercultural diz respeito à redução da produção e do consumo, mediante uma mudança cultural significativa. Conforme Manzini e Vezzoli (2005, p. 47):
Se a uma redução dos consumos dos recursos corresponder uma redução paralela da disponibilidade de produtos, não vai ser necessário, de fato, fazer mudanças substanciais no sistema técnico: a verdadeira inovação, nesse caso, estaria na mudança radical do conceito de bem-estar social.
Já a proposta do cenário hiper-tecnológico baseia-se na redução do consumo de recursos naturais, desmaterializando processos produtivos e aplicando princípios da ecologia industrial, de modo a manter o mesmo ritmo de consumo.
Em relação ao cenário hiper-tecnológico, a química sempre esteve presente em todos os processos tecnológicos, tanto na produção de materiais de uso direto pelo homem como, por exemplo, inseticidas, medicamentos, reagentes, quanto na produção de matéria-prima para serem empregados em outras indústrias. O desenvolvimento de muitos processos industriais e a fabricação de inúmeros produtos químicos ocorreu em uma época em que não havia a preocupação com o meio ambiente. Anos mais tarde, veio a comprovação de que o desenvolvimento tecnológico trouxe consigo muitos problemas ambientais que afetariam diretamente o ser humano e o meio ambiente. Pode-se citar a poluição, agravamento do efeito estufa, contaminação ambiental e humana por produtos tóxicos e rejeitos, consumo exagerado de energia fóssil, etc.
Nas últimas décadas, contudo, muitos encontros e congressos internacionais foram realizados a fim de se discutirem os problemas ambientais e medidas para remediar tais problemas, contudo sem prejudicar o desenvolvimento tecnológico e econômico dos países.
Neste contexto, surge então o conceito de química verde (do inglês Green Chemistry), o qual tem como proposta “uma nova conduta química para o aprimoramento dos processos, com o objetivo fundamental da geração cada vez menor de resíduos e efluentes tóxicos, bem como da menor produção de gases indesejáveis ao ambiente” (Prado, 2003, p. 738).
Para que o processo químico industrial ou a produção de produtos químicos seja “verde”, devem-se observar três importantes pontos (Lenardão, 2003, p.124):
- i) o uso de fontes renováveis ou recicladas de matéria-prima;
- ii) aumento da eficiência de energia, ou a utilização de menos energia para produzir a mesma ou maior quantidade de produto;
- iii) evitar o uso de substâncias persistentes, bioacumulativas e tóxicas.
Atualmente, a indústria da moda faz amplo uso de fibras naturais e fibras sintéticas, majoritariamente algodão e poliéster, respectivamente. De acordo com Callister (2002), “muitos materiais que usamos são derivados de recursos não-renováveis, isto é, recursos impossíveis de serem regenerados.” Logo, o poliéster, originado do petróleo, é um produto derivado de recurso natural não-renovável.
Considerando-se a gradual escassez de recursos não-renováveis, exige-se: a descoberta de reservas adicionais; o desenvolvimento de novos materiais que possuam propriedades comparáveis, porém apresentem menor impacto ambiental; e/ou maiores esforços de reciclagem e o desenvolvimento de novas tecnologias de reciclagem (Callister, 2002).
Devido à indústria da moda “constituir uma das maiores indústrias mundiais, cuja movimentação financeira representa mais de um trilhão de dólares, e empregar aproximadamente um bilhão de pessoas” (Petreca; Luiz; Arduin; 2008), atribui-se a mesma um elevado volume de resíduos têxteis descartados.
Assim, os resíduos provenientes da indústria têxtil e de confecções de moda, colocam-se como uma alternativa viável para reciclagem, pois se tratam de uma matéria-prima amplamente descartada.
Com o atual paradigma ambiental e de desenvolvimento de materiais, transformar um refugo da indústria em novo material é uma oportunidade de reciclagem. Dos novos materiais que vem surgindo, os compósitos são uma solução viável e área de conhecimento da Engenharia de Materiais que tem se destacado.
Em relação aos compósitos, Callister (2002) cita o princípio da ação combinada, em que um compósito, material multifásico, deve ter “uma proporção significativa das propriedades de ambas as fases que o constituem, de tal modo que é obtida uma melhor combinação de propriedades”. A rigor, um compósito consiste em:
[…] material multifásico feito artificialmente, em contraste com um material que ocorre ou se forma naturalmente. Além disso, as fases constituintes devem ser quimicamente diferentes e devem estar separadas por uma interface distinta. […] Muitos materiais compósitos são compostos por apenas duas fases; uma é chamada de matriz, que é contínua e envolve a outra fase, chamada frequentemente de fase dispersa (Callister, 2002, p. 359).
Assim, compósitos à base de resíduos têxteis são uma oportunidade de reciclagem de refugo com a finalidade tecnológica de desenvolver um novo material.
2.JUSTIFICATIVA
No Laboratório de Química Inorgânica do Departamento de Química da UFMG, vem sendo desenvolvidos materiais compósitos com ênfase no paradigma da sustentabilidade e da química verde, a exemplo de um compósito à base de pó de osso bovino como material alternativo para o uso do coral na joalheira.
Além de dar continuidade a pesquisas já em desenvolvimento e contar com suporte tecnológico e de recursos humanos, o material proposto à base de resíduos têxteis justifica-se também por sua relevância econômica e ambiental.
Sabe-se que o setor de moda brasileiro é a maior fonte de empregos para a mão-de-obra feminina e a segunda maior fonte de divisas para o país (a primeira é a construção civil), tendo mais de 19.400 empresas registradas e faturando mais de 18 bilhões de dólares por ano (Abravest, Iemi, Sebrae apud Rech, 2002).
Segundo informações de 2004 fornecidas pela Abit[1], o Brasil é, no cenário mundial, o 6º maior produtos de têxteis (auto-suficiente em algodão, produz 7,2 bilhões de peças de vestuário por ano), o 2º maior produtos de índigo, o 3º maior de malhas, o 5º maior de confecção, o 7º maior de fios e filamentos e o 8º maior produtor de tecidos (Cobra, 2007, p. 20).
Os portentosos setores de têxtil e moda, contudo, geram um amplo descarte de resíduos sólidos, cujo destino principal é a incineração em aterros. Visando obrigar (estabelecendo regras e propondo punições criminais) as empresas brasileiras a manejarem corretamente seus resíduos, em 02 de agosto de 2010, passou a vigorar a Lei Nº 12.305, que integra a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Nesse sentido, a proposta do material compósito em questão reaproveita e recicla resíduos amplamente descartados, além de valer-se como nova possibilidade para uso nas áreas de Design, Moda e Arquitetura e contribuir para os conhecimentos nas áreas de Química, Engenharia Ambiental, Engenharia de Materiais e Engenharia Mecânica.
3.OBJETIVOS
3.1.Objetivo Geral
Obter compósitos a partir de resíduos têxteis e materiais sustentáveis ambientalmente, que implique em processo produtivo limpo e possa ter um amplo uso em setores além do da moda, como a arquitetura e o design.
3.2.Objetivos Específicos
- Contribuir ao desenvolvimento sustentável da moda por possibilitar um destino tecnológico e limpo aos resíduos têxteis comumente incinerados;
- Delimitar os setores, além da moda, que possam ter aplicação para o material em questão;
- Delinear possibilidades do processo produtivo do material;
- Caracterizar os compósitos obtidos por meio de análises químicas;
- Caracterizar os compósitos obtidos por meio de análises de resistência mecânica.
4.MÉTODOS E PROCEDIMENTOS
Para atingir esses objetivos, o projeto desenvolve-se de acordo com os seguintes procedimentos:
4.1.Etapa de base teórica
Nesta etapa se dará a revisão de bibliografia, cujo conteúdo teórico dará suporte ao nivelamento das informações que contemplam os aspectos do tratamento químico e da fabricação de compósitos constituídos de resíduos têxteis.
O primeiro tópico da revisão bibliográfica é a compreensão dos resíduos têxteis, suas propriedades químicas e físicas. O próximo passo na revisão bibliográfica irá abranger os chamados agentes de acoplamento, cuja finalidade é melhorar a interação entre os resíduos têxteis e o material de preenchimento do compósito. Faz-se necessário também conhecer os diversos materiais que poderão ser utilizados como material de preenchimento, látex natural, borracha líquida, PET reciclado, etc. Assim, essa consistirá na terceira parte da revisão bibliográfica.
Finalmente, se fará o levantamento do estado da arte em relação às aplicações do material a ser desenvolvido.
4.2.Etapa Exploratória
Nesta etapa são desenvolvidos os testes e experimentos para a obtenção do material compósito à base de resíduos têxteis. A parte exploratória do projeto pode ser resumida no esquema a seguir.
Figura 1. Sumário das etapas a serem atingidas na etapa exploratória.
4.3.Etapa Experimental
Os resultados obtidos na etapa exploratória serão aplicados em ensaios de produtos, para verificação de sua melhor aplicabilidade técnica e estética. A etapa experimental consistirá em estudos da viabilidade do compósito obtido em aplicações de produtos.
4.4.Etapa Conclusiva
Os aspectos conclusivos da pesquisa, nessa etapa, deverão vir acompanhados de uma sugestão de aplicação do compósito em um produto para um determinado segmento industrial.
5.DESENVOLVIMENTO
5.1.Resíduos sólidos da moda
Resíduo sólido é sinônimo de lixo. Dado que a natureza não produz lixo, o mesmo é considerado uma invenção humana. De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico do IBGE, de 1989 a 2000, houve um aumento de aproximadamente 50 mil toneladas de lixo por dia.
Os resíduos sólidos podem ser classificados quanto à sua origem: sólido urbano; hospitalar; industrial; nuclear; de construção e demolição; portuários, aeroportuários e alfandegários.
Resíduos têxteis são resíduos sólidos do tipo industrial e, na indústria de confecção de produtos de vestuário, provêm de:
- Provas de tecidos, isto é, protótipos de roupas;
- Amostras de têxteis de fornecedores;
- Produção “off-cortes”, ou seja, as sobras de tecidos resultantes do processo de infestação e corte dos moldes;
- Final de rolos de tecidos
- Ourelas, que são as laterais dos tecidos, caracterizadas por, em geral, apresentarem pequenos furos e desfiados, resultantes da fixação em teares têxteis;
- Tecidos excedentes;
- Tecidos com defeitos, como furos, manchas, descoloração, etc.
Também são considerados resíduos têxteis as roupas não mais utilizadas, bem como os resíduos provindos da indústria têxtil (em geral, são transformados em estopa e aproveitados na própria empresa).
Sobre a destinação do lixo, os resíduos têxteis são incinerados, vão para aterros, transformam-se em energia (aproveitamento em caldeiras), são reutilizados (na moda, em artesanato, etc.) ou reciclados.
5.2. Reciclagem de resíduos têxteis
A reciclagem dos resíduos têxteis é importante para a redução da poluição ambiental. Em janeiro de 2012, nos EUA, o Conselho para a Reciclagem de Produtos Têxteis (CTR, Council for Textile Recycling) iniciou uma campanha de educação ambiental que visa zerar os resíduos têxteis do pós-consumo até 2037. De acordo com Eric Stubin, presidente do CTR,
Nos Estados Unidos, em média, as pessoas descartam por ano, o equivalente a 70 libras (31,75 quilos) em artigos de vestuário, calçados e têxteis, que saem das suas casas e seguem diretamente para os aterros. Nosso objetivo é informar as pessoas que artigos têxteis estão entre os itens mais recicláveis da sua casa.
Segundo estudos realizados pelo CTR, os resíduos têxteis ocupam atualmente cerca de 5% dos aterros do país. Do volume de resíduos têxteis gerados pela população norte-americana, apenas 15% são reciclados, equivalente a 3,8 bilhões de quilos reciclados por ano, sendo os 85% restantes (25 bilhões de roupas, têxteis e calçados) descartados em aterros.
A reciclagem de resíduos têxteis ainda é incipiente no mundo todo. Além dos Estados Unidos, destacam-se nesse setor a Alemanha e o Reino Unido. No Reino Unido, são adquiridos cerca de 2,15 milhões de toneladas de roupa por ano, o equivalente a 35 kg por pessoa aproximadamente. Deste montante, 30 kg são descartados anualmente em aterros. Já na Alemanha, são consumidas cerca de 960.000 toneladas de vestuário por ano, correspondendo a 24 kg por pessoa. Deste volume, aproximadamente 460.000 toneladas são recolhidas e reutilizadas – isto significa que, cerca de 500.000 toneladas de têxteis são destinadas ao lixo comum. Na Alemanha (um dos principais exportadores de maquinário têxtil para o Brasil), cerca de 10.000 pessoas estão empregadas na indústria de reciclagem têxtil (Petreca; Luiz; Arduin; 2008).
No estado de Santa Catarina, que abriga um dos maiores pólos da indústria têxtil brasileira, destacam-se algumas empresas especializadas em reciclagem têxtil, cujos produtos finais principais são linhas (para que haja nova tecelagem, originando em têxtil reciclado), estopas, panos (para uso industrial, de limpeza de maquinário e materiais) e tecidos não tecidos.
5.3.Tecidos não tecidos
5.3.1. Composição da matéria
Também conhecidos como TNTs e nonwovens, os “tecidos não tecidos geralmente consistem em ao menos dois componentes; a fibra e o ligante” (Schick, 1977). São modificados também por condições de temperatura, tratamento com solventes e processos mecânicos. O termo é usado na indústria para denotar materiais, como o feltro, que não são tramados, nem como tecido nem como malha.
Por meio de entrevista não-diretiva a um engenheiro têxtil da empresa Cedro Têxtil, uma das principais indústrias têxteis do Brasil, foi constatado que as principais fibras têxteis comercializadas atualmente no país são o algodão não orgânico e o poliéster, bem como a composição de ambos em um único produto têxtil (ex. o ecopet). Assim, os TNTs produzidos no Brasil são constituídos majoritariamente de algodão e poliéster.
5.3.2. Processo produtivo de reciclagem têxtil
Um dos processos produtivos de reciclagem têxtil (que origina as mantas acinzentadas de TNT, vulgo “cobertor de mendigo”) é delimitado pelas seguintes etapas:
- Os resíduos têxteis são lavados;
- Passam por uma centrífuga para retirar o excesso da água;
- Um secador rotativo deixa a umidade em torno de até 8%;
- Em seguida, passam por uma desfibradeira, composta por seis cilindros rotativos, que corta, rasga e desfia os resíduos. Essa máquina é a peça-chave do processo (estima-se que custe em torno de meio milhão de reais);
- Uma prensa hidráulica transforma o desfibrado em fardos;
- Os fardos são submetidos a dois abridores seqüenciais;
- São conduzidos por uma esteira de transporte;
- São submetidos a extratores de pó;
- Finalmente, são submetidos a uma máquina de fazer manta.
5.3.3. Aplicações
Apesar dos poucos tipos de produtos derivados de reciclagem têxtil no Brasil, sabe-se que os resíduos têxteis reciclados encontram grande aplicabilidade, conforme Tab. (1) em diversos setores industriais, principalmente quando resultam em tecidos não tecidos prensados.
Tabela 1. Aplicações dos resíduos têxteis.
Setores | Produtos |
Arquitetura têxtil | Divisórias, estruturas de isolamento. |
Automotivo | Isolamento termo-acústico, estofamento de bancos. |
Construção civil | Isolamento termo-acústico, preenchimento, resistência para proteger residência de intempéries. |
Filtros
|
Gasolina, óleo e ar, incluindo filtração HEPA; água, café, chá sacos, indústria farmacêutica, processamento mineral, cartucho líquido e filtros de saco, sacos de vácuo, membranas ou laminados com camadas não tecidos. |
Geotêxteis
|
Estabilizadores de solo e camada de pavimentação de estrada, estabilizadores de fundação, controle de erosão, construção de canais, sistemas de drenagem, proteção da geomembrana, proteção contra geadas, “mulch” para agricultura, barreiras de água do canal, barreira de infiltração de areia para drenagem em telha, “liners” de aterros. |
Higiene
|
Fraldas, higiene feminina, produtos para incontinência de adultos, toalhetes úmidos ataduras e curativos, toalhas de banho descartáveis e toalhas de rosto, chinelos descartáveis e calçados, estopas, panos de limpeza. |
Medicinal
|
Roupas de isolamento, batas e ternos cirúrgicos, embalagem medicinal (porosidade permite a esterilização gás). |
Outros | Revestimento protetor de tapete, compósitos, laminados para vela marinha, laminados do tipo “tablecover”, tapete de fibra picada, apoio / estabilizador para máquinas, embalagem onde a porosidade é necessária, isolamento (fibra de vidro), travesseiros, almofadas, estofados e almofadas, máscaras faciais (EPI), envelopes de correio, lonas do tipo “tenting”, embalagem para transporte (madeira, aço, máquinas), roupa descartável (revestimentos para pés; macacão). |
Têxtil | Linhas recicladas, malhas recicladas, tecidos reciclados. |
5.4. Compósitos constituídos de têxteis
Segundo McQuaid (2005, p. 16) “compósitos avançados estão disponíveis apenas desde 1960, e eles foram utilizados principalmente na indústria aeroespacial e militar até o início de 1980”.
A partir da década de 1980, o mundo passou a se familiarizar com a existência e usos potenciais das fibras e dos têxteis, o que resultou em um crescimento excepcional nesta área de conhecimento. Nos anos 1990, com o maior desenvolvimento comercial, observa-se a expansão das tecnologias e mercados que fazem uso das fibras têxteis. Ainda de acordo com McQuaid (2005, p. 13), a “força incrível é uma vantagem de muitas das novas fibras têxteis, que têm a capacidade de reforçar, bem como levantar centenas de toneladas”. Exemplo de excepcional resistência mecânica em compósito têxtil é o Kevlar, constituído de aramida e amplamente usado em artigos como colete à prova de balas, por ser mais resistente que o aço em torno de sete vezes, além de ser mais leve.
5.5. Agentes de acoplamento e agentes infiltrantes
A priori, foram selecionados os seguintes possíveis agentes infiltrantes: PET reciclado (como o poliéster do próprio resíduo têxtil), látex natural / borracha líquida, taninos, colágeno, biopolímeros, adesivos ecológicos. Destes materiais, optou-se por trabalhar inicialmente com a resina de látex natural, proveniente de seringueiras.
O látex tipicamente é barato, um creme branco, uma emulsão leitosa (como a raiz latina lac indica). Às vezes, pode ser uma fina, clara, amarela ou laranja, suspensão aquosa. Em ambos os casos, o látex compreende um complexo de substâncias tais como terpenóides – mono-, sequi-, di-, tri-, e politerpenos (borracha) – proteínas, ácidos, carboidratos, taninos, alcalóides e sais minerais (Langenheim, 2003, p. 49).
Dado que o látex muitas vezes é compreendido equivocadamente como borracha, goma ou resina, buscou-se delimitá-lo conforme Tab. (2).
Tabela 2. Características de resinas, gomas, mucilagens, óleos, ceras e látex. Adaptado de Langenheim, 2003, p. 45
Componentes primários | Solubilidade | Tecido secretor | |
Resinas | Terpenóides, compostos fenólicos | Lipossolúvel | Canais, bolsas, cavidades, tricomas, células epidérmicas |
Gomas | Polissacarídeos | Solúvel em água | Cavidades |
Mucilagens | Polissacarídeos | Solúvel em água | “Idioclasts”, células epidérmicas, tricomas, dutos, cavidades |
Óleos (gordura) | Ácidos graxos e glicerol | Lipossolúvel | Nenhum |
Ceras | Ácidos graxos esterificados com álcoois de cadeia longa | Lipossolúvel | Células epidérmicas não especializadas |
Látex | Misturas complexas, que podem incluir terpenóides, compostos fenólicos, proteínas, carboidratos, etc | Lipossolúvel | Laticíferos |
Os agentes de acoplamento, que farão a interface entre resíduos têxteis e látex, ainda estão sendo estudados.
5.6. Compósitos sustentáveis à base de resíduos têxteis
O material compósito em desenvolvimento caracteriza-se por ter como fase matriz a solução de látex de seringueira com amônia (cuja finalidade é evitar a coagulação do látex), juntamente à fase dispersa (também chamada de fase de reforço) constituída por resíduos têxteis.
Os resíduos têxteis utilizados são malhas (trama semelhante a um tricô) e tecidos (trama perpendicular), compostos de algodão (fibra natural), poliéster (fibra sintética) e elastano (fibra que se mistura às demais conferindo elasticidade), de diversas cores. Ou seja, trata-se de resíduos de distintas resistências mecânicas.
A triagem dos resíduos não se deu quanto ao seu tipo de fibra, somente se deu quanto às cores. Esse tipo de triagem, desejável para este trabalho, não é convencional nas empresas de reciclagem têxtil, uma vez que elas distinguem-se grosso modo em dois tipos de procedimentos: 1) triagem da fibra e da cor; 2) não triagem nem de fibra nem de cor (neste caso, o produto resultante são as mantas de TNT acinzentadas). O tamanho dos resíduos, bastante variável dado suas origens, não é um parâmetro considerado para a reciclagem.
Os resíduos foram processados em um moinho de facas, de eixo giratório verticalizado, usualmente utilizado para moer sementes e grãos. A forma de processar os resíduos em nível de laboratório demandou diversos testes com outros ferramentais e máquinas, envolvendo entrevistas e esboços de processos com quatro designers de produto e dois engenheiros mecânicos.
Devido à forma assimétrica e à flexibilidade do material, máquinas com hélices cortantes, bem como lixadeiras diversas, dentre outros procedimentos mecânicos, se mostraram pouco eficazes. Vale ressaltar um experimento em que se “congelou” os resíduos têxteis em nitrogênio líquido e imediatamente inseriu-os em um liquidificador industrial: o resultado foi os resíduos intactos e o liquidificador com a hélice quase deteriorada, pois os têxteis enrolaram-se na mesma, dificultando sua função giratória.
O mesmo procedimento supracitado, porém sem nitrogênio líquido, mas com silicone, resultou em partículas variadas de 01 mm a 10 mm de comprimento. Esse método, apesar de razoavelmente satisfatório quanto ao tamanho das partículas, foi descartado, dado que, após processados com silicone, os resíduos têxteis teriam que ser imersos em hexano, depois filtrados e dessecados, não sendo um procedimento alinhado com os princípios da química verde.
Logo, o processamento pelo moinho de facas configurou-se como um método limpo, sem uso de reagentes e com resultado deveras satisfatório. Os resíduos têxteis, de até 200 mm de comprimento, foram moídos, originando dois produtos: 1) em torno de dois terços de partículas uniformes (embora assimétricas), de 01 mm de comprimento; 2) em torno de um terço de pó, formado pelos minúsculos filamentos têxteis, assemelhando-se a um chumaço de algodão.
O compósito em desenvolvimento necessita ainda de um agente de acoplamento entre as duas partes – resíduos têxteis e látex (agente infiltrante) – para então caracterizar-se propriamente como compósito reforçado com partículas (fibras curtas) por dispersão, descontínuas e aleatoriamente orientadas.
De acordo com Callister (2002, p. 369), “pode ser utilizada uma expressão de ‘regra de misturas’ para o módulo de elasticidade”, a qual é descrita abaixo, Eq. (1):
Ecd = KEfVf + EmVm (1)
Ecd é a elasticidade contínua e aleatoriamente desorientada. K representa um parâmetro de eficiência da fibra e depende de Vf e da razão Ef/Em. Vf e Vm são os volumes da fibra e da matriz, respectivamente, cuja soma é igual a um. “Obviamente, a sua magnitude será menor que a sua unidade, geralmente na faixa entre 0,1 e 0,6. Dessa forma, para um reforço com fibras aleatórias (da mesma forma como ocorre para fibras orientadas), o módulo aumenta de acordo com uma dada proporção da fração volumétrica da fibra (Callister, 2002, p. 369)”.
Após definido o agente de acoplamento, os materiais serão devidamente equacionados.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto encontra-se em desenvolvimento, situado na etapa exploratória, quanto à especificação do agente infiltrante e realização de experimentos. Posteriormente, se darão diversas análises químicas e mecânicas para caracterizar o material obtido. Os resultados apresentados mostraram-se satisfatórios.
Ressalta-se a relevância do material em desenvolvimento para diversas áreas de conhecimento, bem como para distintos setores industriais, além de promover a sustentabilidade ambiental.
7. AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, ao Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas da UFMG e ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFMG.
8. REFERÊNCIAS
Callister, W. D., 2002, “Ciência e Engenharia de Materiais: uma Introdução”, LTC, Rio de Janeiro, Brazil, p. 359.
Cobra, M, 2007, “Marketing & moda”, Editora Senac São Paulo; Cobra Editora e marketing, São Paulo, Brazil, p. 20.
Council for Textile Recycling, CTR. Disponível em; < http://www.weardonaterecycle.org/> Acesso em: 23 fev. 2012.
De Moraes, D., 2008, “Design e Transversalidade”. Santa Clara: Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa em
Design UEMG, Belo Horizonte, Brazil, p. 17.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, “Quantidade diária de lixo coletado, por unidade de destino final
do lixo coletado, segundo as Grandes Regiões, Unidades da Federação, Regiões Metropolitanas e Municípios das
Capitais – 2000”. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/lixo_coletado/lixo_coletado110.shtm>.
Acesso em: 23 fev. 2012.
Langenheim, J. H., 2003, “Plant resins: chemistry, evolution, ecology, and ethnobotany”, Timber Press, Portland, USA,
586 p.
Lenardão, E. J. et al, 2003,“Green Chemistry: Os 12 Princípios da química verde e sua inserção nas atividades de
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9. DIREITOS AUTORAIS
- Título do Trabalho
Desenvolvimento de Compósitos Sustentáveis à base de Resíduos Têxteis.
- Autores e afiliações
Luciana dos Santos Duarte, lucianjung@gmail.com1
Cristiane de Andrade Moreira, cristianeandrade14@hotmail.com2
Plínio César de Carvalho Pinto, plinioccp@yahoo.com.br3
Geraldo Magela de Lima, delima.geraldo@gmail.com3
1Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627 – Campus Pampulha – Belo Horizonte – MG – CEP 31.270-901
2Departamento de Química, Campus I, CEFET-MG, Av. Amazonas, 5253, Nova Suíça, Belo Horizonte – MG – CEP 30.480-000
3Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627 – Campus Pampulha – Belo Horizonte – MG – CEP 31.270-901
- Resumo contendo a descrição do trabalho
Sabe-se que um dos principais problemas do setor industrial são os refugos da produção. Atualmente, a indústria da moda, que é uma das maiores do mundo, faz amplo uso de fibras naturais e fibras sintéticas. Com o atual paradigma ambiental e de desenvolvimento de materiais, transformar um refugo da indústria em novo material é uma oportunidade de reciclagem. Dos novos materiais que vem surgindo, os compósitos são uma solução viável e área de conhecimento da Ciência e Engenharia de Materiais. Logo, o trabalho tem como objetivo geral obter compósitos a partir de resíduos têxteis e materiais sustentáveis ambientalmente, que implique em processo produtivo limpo e possa ter um amplo uso em setores diversos. O projeto encontra-se em desenvolvimento, seguindo quatro etapas. A primeira, de base teórica, se dá a revisão de bibliografia, cujo conteúdo teórico fornece suporte ao nivelamento das informações que contemplam os aspectos do tratamento químico e da fabricação de compósitos constituídos de resíduos têxteis. Na segunda etapa, exploratória, são desenvolvidos os testes e experimentos para a obtenção do material. A parte exploratória consiste na obtenção de um material multifásico, constituído de resíduos têxteis, agente infiltrante e agente de acoplamento, resultando em um compósito. Os resultados obtidos na etapa exploratória são, na etapa posterior, experimental, empregados em ensaios de produtos, para verificação de sua melhor aplicabilidade. Por fim, a etapa conclusiva sugere a aplicação do material em um produto de um determinado segmento industrial.
- Palavras-chave
Compósitos de têxteis, sustentabilidade, química verde, engenharia de materiais, resíduos têxteis.
- Abstract
It is known that one of the main problems of the industrial sector is the waste of production. Currently, the fashion industry, which is one of the world’s largest industries, makes extensive use of natural and synthetic fibers. With the current environmental paradigm and materials development, transforming industry waste into a new material is an opportunity to recycling. In the list of new materials that are emerging, the composites are a viable solution and knowledge of the area of Materials Science and Engineering. Therefore, this study aims to obtain general composites from textile waste and environmentally sustainable materials, resulting in the production process clean and to have broad use in various sectors. The project is in development, following four steps. The first, the theoretical basis, gives the bibliography, which provides theoretical content support the capping of information that address the aspects of chemical processing and manufacturing of composites consisting of textile wastes. In the second step, exploratory, are developed tests and experiments to obtain the material. The exploratory part is to obtain a multi-phase material consisting of textile waste, infiltrating agent and coupling agent, resulting in a composite. The results obtained in the exploratory stage are, in the later stage, experimental, used in product tests, to check for better results. Finally, conclusive phase suggests the application of the material into a product of a particular industrial sector.
- Key-words
Textile composites, sustainability, green chemistry, materials engineering, textile waste.
- Declaração de direitos autorais
Os autores são os únicos responsáveis pelo conteúdo do material impresso incluído no seu trabalho.
[1] Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.