Allbirds, Arezzo, Schutz e Fiever doam calçados para médicos
Ação de marketing, ainda que controversa, foi a boa notícia em meio ao coronavírus
A marca de calçados sustentáveis Allbirds, da Nova Zelândia, mais as marcas não-sustentáveis (convencionais? ainda?) Arezzo, Schutz e Fiever, do grupo brasileiro Arezzo&Co, realizaram uma ação de marketing no Instagram para doar calçados aos profissionais da saúde engajados em combater o coronavírus.
A Allbirds foi a primeira a lançar a campanha, no dia 20/03/2020. Porém, solicitou que os consumidores enviassem um e-mail. Essa não é a forma mais eficiente de gerenciar um fluxo de informação grande e que precisa comprovar detalhes, pois cria a necessidade de customizar o atendimento.
Nesse ponto, a Arezzo, Schutz e a Fiever, embora não tenham muito mérito por terem copiado a estratégia de marketing da Allbirds, foram mais eficientes ao rapidamente desenvolverem um formulário e, dessa forma, filtrar melhor e automatizar a gestão da informação. Copiaram melhor, digamos assim.
A campanha
A campanha para as marcas do grupo Arezzo&Co tinha o seguinte texto:
Passos das Heroínas/Herois
Vamos apoiar seus passos com o que sabemos fazer de melhor: calçados confortáveis e de qualidade.
Essa é a nossa maneira de retribuir e agradecer a coragem e dedicação de vocês.
Para a comunidade de médicas, enfermeiras e auxiliares de enfermagem: acesse [site da Arezzo, Schutz, Fiever], preencha com seus dados e enviaremos um par de tênis para vocês. (Enquanto durarem os estoques)
Nosso muito obrigada!
Tradução: Para os nossos amigos da Allbirds: ideia brilhante! Obrigado pela inspiração!
Em menos de uma hora, todos os estoques acabaram.
https://www.instagram.com/p/B-A0zHSBp9l/
Propósito da campanha
Para a Allbirds, que oferece produtos sustentáveis, a ação faz sentido por propor um engajamento social e, assim, reforçar uma coerência no propósito da marca, que é uma responsabilidade socioambiental pelo planeta. Beleza.
Já para Arezzo, Schutz e Fiever, que fazem o produto da modinha, com muito couro e polímero convencional, a leitura é outra: oportunidade de posicionar a marca como amigável da população em um momento de crise.
Para todas, os efeitos são: maior simpatia dos consumidores, maior buzz, mais mídia espontânea, mais compartilhamentos, mais likes, mais acessos. A marca é lembrada positivamente.
No caso da Arezzo, Schutz e Fiever, podem ainda ter como consequência: bater recorde de acesso/tráfego no website e gerar ainda mais vendas.
Do ponto de vista do capitalismo, a estratégia foi bem-sucedida: a marca se “humaniza” por colaborar com a sociedade (ainda que em uma ação pontual), desova produtos, e ainda vende mais. Como toda publicidade (ainda que velada), incentiva o consumismo. Esse é o propósito de marcas convencionais como Arezzo, Schutz e Fiever: vender e, se possível, vender mais.
Não sei se seria esse o objetivo implícito da Allbirds, se seria o de incentivar um consumismo, ainda que de produtos sustentáveis (o que a gente chama de “consumismo verde”). Pode ser que sim.
Criatividade e Qualidade
Na última vez em que estive no Brasil, em dezembro, véspera do Natal, fui ao Paraná (onde fui apresentar Quatro artigos no Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção 2019). Em Curitiba, no Shopping Pátio Batel, vi lojas vazias das marcas Alexandre Birman e Schutz.
Lembro de estar com a minha mãe lá e comentar, que estava tudo parecido, sem criatividade, coisa que a gente já vinha constatando sobre a Arezzo (marca do mesmo grupo, que costumávamos comprar até pouco tempo atrás).
Na minha cidade natal, Pouso Alegre, Minas Gerais, a loja da Arezzo fechou – e depois de alguns meses fechada, sem sinalização, reabriu. Pouso Alegre é uma das maiores cidades do Sul de Minas, com mais de 150.000 habitantes e diversas fábricas de outros países. Mas talvez a gente, o pousoalegrense, seja um público diferente, pois lá também o McDonald’s fechou (e não reabriu!).
Ok. Agora vou escrever do ponto de vista não como pousoalegrense, mas como de consumidora, de designer, e de pesquisadora (o que pode ter a mesma voz de alguém difícil de agradar, mas vá lá!): já tem algum tempo que percebemos (eu e a mãe) que, além da falta de criatividade, novidade, os calçados também estavam com uma qualidade duvidosa.
Uma sapatilha básica era feita em formas diferentes, e cada 37 (meu caso) parecia que era um 37,5 ou um 36,5 ou quase um 38. Já não percebia padronização. As formas estavam estranhas, me dava a impressão de que um número era moldado em formas completamente diferentes. Eu só consigo perceber esses detalhes porque meu pai (já faleceu) era modelista e estilista de calçado e trabalhou em grandes empresas. Meu olhar foi treinado durante anos a avaliar um calçado.
Com relação aos materiais, no caso da Arezzo, gradativamente o couro foi sendo substituído (não completamente!) por laminado de poliuretano, por PVC, etc., materiais que imitam couro visualmente. Eles ainda eram denominados incorretamente pela lojista de “couro ecológico” (tenho a maior antipatia com esse termo, pois é ilegal, e serve como greenwashing para o consumidor desinformado).
Daí perde a credibilidade, pois os preços não abaixaram. Pioraram a resistência mecânica dos componentes e mantiveram os preços.
Da Schutz, comprei dois calçados, em 2014. Um rapidamente “morreu”. Era um loafer de bico fino com uns pelinhos imitando leopardo. O solado de borracha rapidamente corroeu com o atrito (coisa semelhante que só vi na única Melissa que comprei na vida). Já os pelinhos rapidamente foram ‘depilados’ com o simples encostar na calça jeans.
O outro ainda tenho, e trouxe pra Holanda, quando me mudei pra cá, há sete meses. É uma sandália abotinada, de couro, preta, com um salto anabela. Mal usei. Agora estou pensando por que mal usei, mas também não me desfiz. Acho que a altura do cabedal compete com a barra da calça skinny/slim (modelagens que mais uso) e cria um pequeno volume sem sentido. Mas ainda tenho esperança de usar, quem sabe no próximo verão europeu, se o vírus permitir.
Por hora, o que faz sentido é andar de meias na quarentena em casa.
Sustentabilidade
E pra finalizar, marcas como Arezzo, Schutz, Fiever, são poderosas. Poderiam – se quisessem – realmente mudar sua estratégia pra ter um engajamento social legítimo (não com base na cópia, no oportunismo, na estratégia velada de aumentar vendas). Poderiam, sobretudo, ter mais materiais eco-sustentáveis.
Faz tempo que o mundo está acabando, que a gente está no Antropoceno, que o aquecimento global é uma realidade, que vai faltar água pra maioria dos países em poucos anos, tem vários relatórios da ONU a respeito… As estratégias das empresas precisam ser de longo prazo, e não essas ações pontuais que surfam na onda. A Arezzo até tem alguns calçados com materiais ecológicos (ZZ Bio), mas é quase insignificante diante da quantidade de modelos, do alcance de público, do porte da empresa.
Apesar de todas as considerações, que bom que doaram milhares de calçados para os profissionais da saúde. Parabéns!
Eu adoraria comprar calçados sustentáveis destas marcas, quando (e não “se”) elas se tornarem verdadeiramente amigas das pessoas e do meio ambiente! E com melhor qualidade e mais criatividade (inclusive nas campanhas de marketing)! Tenho esperança, acredito que o Alexandre Birman é uma boa liderança. Oxalá! Desejo sucesso!
Leia outras matérias e artigos do Ethical Fashion Brazil:
- Melissa: crítica ao seu posicionamento de sustentabilidade
- Osklen: externalização da ética e sustentabilidade
- O tal ecoblend da Osklen
- Hering com jeans ecológico da Vicunha. E só.
- Trabalho infantil no calçado em Franca
Leia artigos científicos relacionados ao tema:
(67) DUARTE, Luciana dos Santos; SUPERTI, Eliane; PEGLER, Lee Jonathan; RIBEIRO, Rodrigo Magalhães; DE SOUZA, Marta Helena Queiroz Cançado Gomes. A produção do “couro vegetal” na Amazônia: etnografias em diálogo entre as visões do trabalhador indígena e da empresária. Anais do IX Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção, Ponta Grossa, 2019, 12 p.
(64) DUARTE, Luciana dos Santos. Gestão do conhecimento tácito entre voluntariado: estudo de caso do projeto The Street Store BH para moradores de rua. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção, Ponta Grossa, 2018, 12 p.
(55) FREITAS, Luiz Fernando Peixoto; VAN DER HOFF, Richard; DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas. Estudo de diretrizes de projeto para negociações de crédito de carbono em companhia aérea brasileira. In: Caderno de Anais – Delfos 2017: Multidisciplinaridade em Inovação – Futuro de Mestres e Doutores. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
(52) DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas. Controvérsias entre propriedade intelectual e inovação social: estudo de caso da startup Risü. In: Caderno de Anais – Delfos 2017: Multidisciplinaridade em Inovação – Futuro de Mestres e Doutores. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
(49) DUARTE, Luciana dos Santos. Estudo sobre produtos feitos de tecido da floresta inseridos na cadeia global de valor. Anais do V Simpósio de Engenharia de Produção, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, 2017, pp. 1063 – 1074.
(47) MACIEL, Rayane Fabiwla; DUARTE, Luciana dos Santos. Estratégias de marketing e engenharia de produção no terceiro setor: um estudo de caso da startup O Polen. V Encontro de Engenharia no Entretenimento, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017, pp. 96 – 112.
(38) DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas. Produtos e materiais desenvolvidos a partir da tecnologia social do tecido da floresta amazônica: estudos de caso na cadeia global de valor do látex. VII Simpósio Nacional de Ciências, Tecnologias e Sociedades, Universidade de Brasília, 2017.
(26) DUARTE, Luciana dos Santos; CÂMARA, Tânia. Logística reversa e competitividade para os resíduos têxteis no polo da moda de Belo Horizonte. Anais do Colóquio Internacional de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2015, pp. 372 – 386.
(24) DUARTE, Luciana dos Santos; RAJÃO, Raoni Guerra Lucas; DE FARIA, Paulo Eustáquio. Estudo comparativo do impacto ambiental da produção têxtil de jeans CO/PET convencional e de jeans CO/PET reciclado. Anais do VIII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Uberlândia, 2014.
(1) PEREIRA, Maíra Paiva; DUARTE, Luciana dos Santos; PASCO, Mariana Rivas. As limitações das fôrmas de salto alto e o uso de órteses: uma abordagem da ergonomia. Actas de Diseño de Encuentro Latinoamericano de Diseño. Facultad de Diseño y Comunicación, Universidad de Palermo, 2007.